As comunidades quilombolas da Barra e do Bananal são duas pequenas localidades de descendentes de negros escravizados que fugiram de um navio negreiro naufragado na costa sul da Bahia. Desde o século XVII, essas comunidades vivem às margens do rio Brumado, no município de Rio de Contas, na Chapada Diamantina.
Como documentarista, meu objetivo sempre foi capturar as danças, o trabalho, o lazer e outras facetas da vida dessas comunidades. Contudo, ao tentar revelar a ligação das atuais comunidades quilombolas com sua cultura ancestral, percebi que essa ancestralidade está diluída em novos costumes, maneirismos e até religiões diferentes das de seus antecessores.
Diante desse quadro de quase apagamento da memória, encontrei na simplicidade do retrato uma forma de captar a essência da ancestralidade distante. Montamos um pequeno estúdio na casa de Dona Joanita, uma moradora local sempre sorridente. Usamos um pano preto como fundo, descontextualizando as pessoas e criando uma sensação de desaparecimento de si mesmas, aludindo à ancestralidade perdida.
Trabalhamos durante dois dias. No início, as pessoas mostraram resistência, mas após verem as fotos umas das outras, a emoção tomou conta do pequeno espaço que dividíamos com os móveis da sala. A tensão inicial deu lugar a risos e comentários sobre suas faces. Ao verem os primeiros resultados, algumas pessoas se surpreenderam com a própria imagem, sugerindo que não se olham ou se veem com frequência. Uma senhora negra de olhos claros, por exemplo, já tinha ouvido falar da cor dos seus olhos, mas não tinha certeza de como eles realmente eram.
Com uma identidade cultural bastante rarefeita, o que resta da própria ancestralidade para esse povo é a força de suas faces. Os retratos, apresentados aqui no formato de trípticos, combinam dois retratos de quilombolas com uma fotografia da comunidade entre eles. Essa estrutura sugere uma metáfora da luta e da cultura dessas pessoas, que tendem a desaparecer ou a se reinventar, restando apenas uma memória distante.