A fotografia documental pode ser um importante instrumento para a crítica e o questionamento de padrões hegemônicos. Dessa forma ela foi utilizada por Guilherme Lima no Portfólio “Crisálida”, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024. O trabalho exalta a coragem e a beleza de Paula, em sua jornada na busca pela cura de um câncer de mama, iniciada no final de 2020.
A proposta, que partiu de um pedido da própria Paula, foi a de trazer uma realidade pouco conhecida ou escondida da sociedade. Composto por imagens tocantes, o trabalho acompanha as conquistas e os dias difíceis, os desafios e os medos envolvidos no processo de tratamento. Com “Crisálida”, Guilherme e Paula desafiam as noções convencionais da beleza feminina e mostram a fortaleza da mulher que passa por um tratamento de câncer.
A fotografia “salvou a vida” de Guilherme Lima em um momento de desalento, quando tinha 46 anos e enfrentou dificuldades financeiras. Atualmente, ele trabalha como fotógrafo e videomaker. Descubra um pouco mais sobre sua trajetória e sobre o Portfólio finalista na entrevista que segue.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 53 anos, atualmente moro no Rio de Janeiro, na Barra de Tijuca venho trabalhando como freelancer.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
A fotografia sempre esteve presente na minha vida, seja criança, quando minha mãe tinha aquelas câmeras fotográficas amadoras e me deu uma Xereta da Kodak pra fotografar o que eu quisesse, ou quando na adolescência matava aula pra ir a exposições de fotos antigas da cidade, que ficavam em praça pública pra fugir da multidão na hora do almoço. Já adulto sempre gostei de fotografar os amigos com aquelas câmeras automáticas, mas tudo isso de forma muito amadora mesmo. Também trabalhei em locadoras de vídeo e por quase 20 anos trabalhei em estúdios de fotografia, vídeo e áudio em grandes instituições de ensino. Mas só em 2015 quando fiz umas fotos de um manguezal no Rio Ceará que a vontade de viver da fotografia foi ganhando forma, em seguida fiz uma viagem ao longo de quase todo Rio Amazonas, passando pelo Alto Tapajós e Rio Madeira. Foi uma viagem de 3 meses que comecei em Belém e fui até Iquitos na Amazônia Peruana. Foi então que eu decidi me aprofundar nos estudos sobre fotografia pra me tornar um profissional na área.
Acho que a fotografia meio que salvou minha vida, quando tomei essa decisão de viver da fotografia e retornei para São Paulo. Eu já estava com 46 anos e as perspectivas de trabalho estavam bem difíceis, fiquei um bom tempo morando numa pensão, fazia alguns bicos aqui e ali de fotografia com câmera emprestada, já que a minha ainda era uma câmera amadora, ou editando alguns vídeos pra juntar dinheiro e comprar uma câmera semiprofissional, sempre contando com a ajuda de alguns amigos com alimentação e algum outro tipo de trabalho. Naqueles dias eu não pensava em outra coisa que não fosse fotografia, eu dormia e acordava respirando fotografia. Eu contava ainda com a confiança de alguns amigos, o que evitou que eu desistisse até de viver. Foi quando consegui comprar no cartão de um amigo uma câmera pra trabalho e as coisas começaram a melhorar. Isso, sem nunca parar de estudar, pesquisar e experimentar.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
A ideia do trabalho é bem como está no texto de apresentação.
Eu conheço a Paula desde 2011 e no final de 2020 ainda no meio da pandemia, ela estava morando isolada num sítio em Nova Friburgo e me convidou pra fazer umas fotos e gravar uns depoimentos dela. A gente acabou se relacionando e ela me contou que havia sentido um caroço no seio e estava aguardando os exames. Quando saiu o resultado ela disse que queria registrar tudo e eu topei a ideia. Antes de chegar no sítio eu já vinha pesquisando bastante coisa dessa relação da fotografia com arte e então mergulhei em livros e livros de arte em busca de referências pra ter uma bagagem e perceber alguma pequena sutileza durante as sessões de fotos, sendo elas posadas ou reais. Explorando mesmo essa interseção entre a arte e a realidade.
A proposta que a Paula e eu discutimos era exatamente a trazer uma realidade pouco conhecida ou escondida da sociedade, fazer um recorte delicado e corajoso, desafiando as noções convencionais da beleza feminina e mostrar através da fotografia a fortaleza da mulher que passa por um tratamento de câncer de mama, mostrar que aquela beleza natural da mulher ainda está ali viva. Tudo isso sem deixar esquecer dos momentos de tristeza, que fazem parte dessa realidade, sem deixar que pudesse gerar o sentimento de pena, mas instigar as pessoas a perceberem a beleza e a coragem que surgem nos momentos mais difíceis da vida, com a certeza de transmitir para outras mulheres através da fotografia, uma mensagem de força e inspiração, de viver um dia de cada vez.
Portanto, o projeto começou mesmo em dezembro de 2020 e tem previsão para terminar neste ano de 2024, quando a Paula faz a primeira cirurgia de reconstituição do seio. Em seguida faremos mais alguns sessões finais. Ela ainda faz muito atividade física e natação para o braço não inchar devido a retirada dos linfonodos, mas de forma bem tranquila.
Quanto à pergunta de em que medida ele se encaixa na minha produção fotográfica eu digo que sempre foquei na questão documental, desde quando eu trabalhei em locadora de vídeo, passando pela faculdade de jornalismo, e pós-graduação o documentário sempre foi minha paixão. Recentemente eu dirigi junto com meu amigo Billy Saga o documentário “Nada Sobre Nós Sem Nós” sobre uma ONG de pessoas com deficiência, pela Natura Musical, ainda sem data de estreia. Então posso dizer que esse projeto se encaixa perfeitamente na minha produção como um todo. E acaba alimentando e se alimentando da minha produção enquanto profissional freelancer fotografando eventos, ensaios, gastronomia, viagens e tantos outros.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente estou no processo de edição de todas as fotos da viagem ao Amazonas, são milhares de fotos que precisavam de um olhar, hoje mais maduro, para a produção de um livro e envio para concursos. Algumas delas já foram expostas no Trieste PhotoDay em Trieste na Itália em 2023. Quero retomar as sessões de fotos do projeto Mulheres na Lavoura, nome provisório, de um grupo só de mulheres colonas da comunidade de Salinas em Nova Friburgo no Rio de Janeiro, elas que possuem uma cooperativa de plantio de verduras. Uma dessas fotos foi finalista no Pink Lady Food Photography 2023 com exposição coletiva em Londres. Um rascunho de um projeto/ensaio, inspirado na obra do escrito Isaac Asimov e inteligência artificial. Além de já ter programado umas saídas pela Ilha da Gigóia próxima a Barra da Tijuca aqui no Rio de Janeiro pra mostrar a vida na ilha, tanto as de pessoas da comunidade, quanto da fauna e flora da região. A ideia com esses projetos futuros é trazer através da fotografia coisas que afetam tanto a sociedade como um todo, quanto as questões que envolvem o ser humano em si na sua profunda individualidade.