Fotografia e ação social se mesclam no Ensaio “Árida”, de Guto Oliveira, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024. O trabalho registra a vida no sertão do Piauí, uma das regiões mais secas do Brasil. É realizado desde 2019, em paralelo às atividades da ONG Instituto LUSS, que visa fortalecer o desenvolvimento sustentável, promovendo o acesso à água, segurança alimentar e ativação econômica das comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Vivendo em Dois Irmãos (RS), Guto Oliveira começou a fotografar quando realizou uma viagem de carro pelo mundo com sua família em um Toyota Bandeirantes, passando por diversos países. Para ele, que atualmente pratica a fotografia de rua, de natureza e documental, fotografar é um álibi para sair e explorar cada vez mais, além de ser um meio de expressar sua visão de mundo.
Na entrevista abaixo ele conta os detalhes de seu percurso e do ensaio finalista.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 45 anos e sou morador do município de Dois Irmãos, no RS.
Além de ser um fotógrafo independente, sou sócio de uma empresa de representação comercial internacional chamada inout international e presidente da ONG Instituto LUSS, que atua no sertão do Piauí.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Durante minha juventude, eu cultivava um amor platônico pela fotografia. Era platônico devido aos custos envolvidos na compra de equipamentos, filmes e revelações. Eu vivia no mato, escalando, acampando e viajando de carona pelo Brasil nas férias escolares e queria registrar minhas aventuras, mas pensava no quanto teria que gastar até aprender a fotografar e, no fim, preferia continuar investindo nas aventuras.
Em 2015, comprei minha primeira câmera com um kit de lentes da Nikon para registrar uma grande viagem que faria com minha família. Planejávamos rodar o mundo a bordo de um Toyota Bandeirantes, com o objetivo de transformar o mundo na sala de aula dos nossos filhos. Tirei a câmera da caixa, coloquei no modo manual e não mudei até aprender. Aprendi a fotografar durante essa viagem, que durou quase quatro anos e nos levou a explorar cerca de 30 países.
Foi o amor pela natureza e pelas atividades ao ar livre que despertou meu interesse pela fotografia. Mais tarde, conheci a fotografia de rua de Alex Webb, Gustavo Minas, entre outros, e minha concepção de fotografia mudou completamente. A combinação desses dois estilos e o interesse em explorar e contar histórias mais profundas me levaram ao estudo da fotografia documental.
Faço uma analogia entre esses três estilos de fotografia e a música da seguinte forma:
– A fotografia de natureza é como a música clássica. O fotógrafo posiciona o tripé, como se fosse o suporte para uma partitura, aguarda a luz certa, espera a nuvem passar em determinado ponto do quadro, aguardando todo esse alinhamento acontecer para produzir uma bela melodia. É uma fotografia lenta, de contemplação, paciência e poucas horas de sono.
– A fotografia de rua é como o jazz. Rápida, cheia de improviso e de diálogos entre os elementos da rua. A câmera se transforma em um trompete, recortando e costurando cenas do cotidiano, buscando criar conexões entre pessoas e objetos, luz e sombras.
– A fotografia documental é como o fusion. Aqui, a natureza e a natureza humana se relacionam de maneiras diversas, com o objetivo de contar uma história com múltiplas camadas e facetas distintas.
Amo esses três estilos e vejo a fotografia como um álibi para sair e explorar cada vez mais, além de ser um meio de expressar minha visão de mundo.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
“Árida” é um projeto muito especial para mim, pois fala de um povo sensacional com o qual tenho me relacionado há mais de cinco anos, trabalhando nas ações do Instituto LUSS. Esta ONG visa fortalecer o desenvolvimento sustentável de comunidades do sertão, promovendo o acesso à água, segurança alimentar e ativação econômica das comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade social. O projeto “Árida” está sendo desenvolvido no sertão do Piauí, em comunidades rurais localizadas no entorno do município de São Raimundo Nonato, no território da Capivaram.
Este projeto aborda a resiliência, a escassez de recursos e a abundância da vida em uma região tão árida quanto o nosso sertão. Também fala sobre os desafios enfrentados por aqueles que moram em um lugar tão inóspito quanto a caatinga, mas que amam essa terra e desejam permanecer e se desenvolver ali.
“Árida” é um projeto de longo prazo, iniciado em 2019, que espero transformar em livro no futuro.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Também desenvolvo um projeto documental de longo prazo no Pampa gaúcho chamado “HUACHU”. Nele, venho documentando as transformações socioambientais que estão ocorrendo no bioma e na cultura gaúcha. No aspecto ambiental, há uma grande supressão dos campos nativos pela ação humana, especialmente pelo avanço da lavoura. No lado social, percebe-se um desinteresse geral das novas gerações pela cultura do gaúcho e pela lida campeira, um conjunto de habilidades desenvolvidas ao longo de séculos, resultantes da amálgama entre a cultura dos povos originários do pampa e os povos europeus.
Em parceria com o fotógrafo Tadeu Vilani, tenho um projeto de fotolivro em andamento sobre os dois últimos carreteiros do Rio Grande do Sul. São homens que ainda vivem de levar seus produtos para vender na cidade usando carretas, sendo verdadeiros fósseis vivos da cultura gaúcha.
Além disso, desenvolvo um ensaio chamado WURZEL, financiado pela Lei Paulo Gustavo, onde estou documentando as raízes que a colonização alemã plantou há dois séculos em minha cidade e as raízes que estão sendo plantadas pelos novos imigrantes, que fazem a nossa comunidade ser o que é atualmente.
Em 2025, devo iniciar outro projeto documental de longo prazo investigando o tema da erva-mate.