Para Alessandro Celante, a fotografia é um veículo para assumir riscos e exteriorizar incertezas. Seu trabalho mescla sensações limite e processos alternativos para trazer à tona a sensibilidade, tocando o espectador de maneira pungente.
No trabalho intitulado “Esmoressências” ele retrata o processo de convalescência de seu pai, tomando o cuidado de não expô-lo publicamente, mas ainda assim nos abrindo os olhos para pensar a urgência do essencial, quando a vida de esvai a cada dia. Uma imagem da série está entre as finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024 na categoria Imagem Destacada.
Na entrevista abaixo, Alessandro Celante traz detalhes sobre o trabalho. Confira.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 52 anos, vivo e trabalho no mesmo endereço, onde tenho meu espaço atelier / estúdio / laboratório em Jundiaí SP. Espaço onde concebo e desenvolvo meus projetos em fotografia e artes visuais.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Comecei a fotografar com 18 anos, ainda como aluno de comunicação social da FAAP, de lá pra cá muita coisa aconteceu, pois sempre dividi meus projetos entre a fotografia e o design gráfico. No começo dos anos 2.000, com o começo da transição da fotografia analógica para a digital, me debrucei a pesquisar e desenvolver trabalhos voltados à percepção humana e tecnologia. Foi somente depois de 2010 que passei a me dedicar integralmente à arte e fotografia autoral, construindo algumas experiências imersivas. A fotografia tem papel determinante em minha vida, é com ela que consigo assumir riscos e exteriorizar incertezas que movem minha vida.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Há algum tempo, ao ler o ensaio do escritor e neurologista Oliver Sacks para o jornal NY Times, quando ele próprio relatou publicamente um diagnóstico feito em 2005 sobre uma metástase em seu fígado que dava-lhe apenas alguns meses de vida, um ponto em especial tocou-me de forma lancinante, mas com a delicadeza rara que só encontramos em momentos de extrema sensibilidade: “Não há tempo para nada que não o essencial”. Não foram raras as vezes em que tive que lidar com questões essenciais, principalmente as que tangem e cerceiam a própria vontade, menos raras foram as vezes em que me bateu à porta a sensação da urgência em conflito com a sensação de resistência.
“Esmoressências”, é uma revisão dos conflitos acumulados pela observação da experiência (convalescência) de outra pessoa. Um exercício de descolamento entre um drama pessoal e a construção de uma narrativa visual pelo confinamento da essência de um homem que gradativamente esmorece e suas formas se fundem às formas dos objetos que os cercam. Esse projeto é marcado, por uma série de relutâncias. Primeiro, pela dificuldade em fazê-lo, sem invadir a privacidade já tão invadida de alguém em franca convalescência, ainda mais quando esse alguém é meu pai. Outros pontos dizem respeito à exposição pública de meu pai a partir dessas imagens, a contradição de como as sessões fotográficas me fazem conviver melhor com a iminência diária de sua morte, e como lido com o processo de edição dessas imagens, onde tudo se aglutina em clichês de sentimentos, dramas e de proposições estéticas. Uma grande contradição falar da urgência do essencial sob a ótica da perda gradativa da própria essência, mas é nesse sentido que vejo que nossa essência urge por convergências e assim me permito compartilhar essa história.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Tenho alguns trabalhos em andamento e sem prazo para finalizá-los como as máscaras impermanentes que foram inauguradas em 2014 onde faço uma experiência imersiva com os participantes em uma banheira de agua gelada e gelo seco e por alguns segundos perde-se os 5 sentidos e eu fotografo a máscara mortuária do participante, posteriormente construo labirintos com as fotografias impressas em tecidos translúcidos, esse projeto já rodou o mondo, mas ainda não consegui implementar a oficina chamada sudários, onde quem passou pela experiência aprende a técnica Marrom Vandyke (processo histórico) e imprime sua máscara em linho.
Furyo de 2020, desenvolvido em processo comunitário junto ao centro de Fotografia de Montevidéu (CDF) e acaba de participar do Rencontres D’Arles 2024. Nesse caso a experiência se dá com argila e o trabalho se dá com corpos dissidentes que reservam em si utopias possíveis. O esmoressências que creio ainda não ter me curado da experiência de perda para editá-lo de maneira sóbria, já ganhou alguns prêmios, integrou o photothings 2023 e fará parte do Festival dela fotografia ética em Lodi Itália em setembro. Paralelo a isso há pesquisas e novos projetos em vias de concepção e algumas revisitas em projetos antigos como canibytes.