O fotógrafo gaúcho Tiago Alves Antoniazzi vem desenvolvendo uma série de fotografias intitulada “Arquitetura silenciosa”. Por meio da longa exposição, ausência de cores e enquadramentos sem pessoas ou veículos, sua proposta é a de evidenciar a forma arquitetônica em si. Em maio deste ano, o trabalho ganhou um desdobramento inesperado e aterrador, após ocorrerem as enchentes de 2024, maior catástrofe natural da história do Rio Grande do Sul.
As ruas da cidade ficaram vários dias debaixo d´água. Onde antes passavam veículos e pessoas, apenas barcos podiam transitar, como em um filme distópico de ficção científica. A série intitulada “Reflexos da Enchente” é uma das finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024. Os edifícios da cidade aparecem refletidos nas águas, remetendo a uma versão invertida e distorcida da cidade, consequência de nossos atos, hábitos de consumo e descaso pela natureza.
Na entrevista que segue, Tiago Alves Antoniazzi nos conta sobre seu trabalho e a criação da série finalista.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 44 anos. Vivo e trabalho em Porto Alegre, RS.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Em contato com a fotografia desde a infância, antes mesmo de frequentar a escola, vivenciava a mágica que acontecia em um laboratório fotográfico pelas mãos do meu pai. Médico, cirurgião e professor foi com ele que conheci a paixão pela fotografia. Com o laboratório realizado no que seria a dependência de serviço do apartamento fui acostumado e desenvolvi a devoção a todo o ritual envolvido, desde a escolha das lentes até a compra de químicos para revelar negativos e imprimir no papel. Aos poucos fui me aventurando de um simples espectador e parceiro de saídas fotográficas para enfim empunhar uma câmera e viver a ansiedade de segurar o “clic” contando os números de poses que o negativo ainda reservava. Com ele aprendi a observar as cenas, mergulhar no mundo de grandes fotógrafos e autores e perceber que muito mais do que uma foto final, eram os momentos vividos que ficavam eternizados no coração. Em meados dos anos 2000, ainda na faculdade de arquitetura, presenciei a guinada da mudança do mundo analógico para o digital como ferramenta para a representação dos projetos e as inúmeras possibilidades que se abriam no campo da arte visual. Com uma produção digital inicial explorando cenas da natureza, incentivado por amigos e outros fotógrafos acabei participando de concursos em nível nacional (Brasilia Photoshow, Bienal monocromática…) e ganhando certa visibilidade. Desenvolvendo um caráter mais autoral, hoje algumas fotos são representadas por galerista onde o trabalho fineart é vendido com tiragens limitadas.
A fotografia é uma companheira de vida que me ajuda no processo de autoconhecimento, explorando paixões e colecionando memórias em meio as aventuras de cada saída fotográfica que me proponho a fazer sozinho ou com amigos. Com ela dou vazão a sentimentos e novas experimentações.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
O trabalho foi realizado nas semanas após a emergência climática que assolou o Estado do Rio Grande do Sul no mês de maio de 2024. Como residente de Porto Alegre, vivi na pele além das chuvas na capital, o desague dos Rios do Estado que chegam até o Guaíba provocando a maior inundação da história da Capital Gaúcha.
Foi estarrecedor, o período que se seguiu com resgates, apagões de energia, falta de água, barulhos de sirenes, helicópteros, abrigos temporários, pedidos de ajudas nas redes sociais e toda a rotina transformada em poucas horas. Como num filme de ficção de futuro distópico onde antes circulavam pessoas e carros agora só passavam barcos. A natureza ocupando seu lugar e nos devolvendo a humildade.
A arquitetura, além de ser algo muito caro a mim, pela formação e profissão, também era motivo de uma outra série fotográfica que vinha desenvolvendo cujo o título é “Arquitetura Silenciosa” onde através da longa exposição, ausência de cor, enquadramentos sem pessoas, carros, evidenciava tão somente as linhas e contornos da luz e sombra dos prédios e a cidade. Eliminando dessa forma o ruído e evidenciando a forma arquitetônica em si. (Algumas imagens da série abaixo)
No trabalho visual que busco com a fotografia como expressão artística, persigo insistentemente a ordem, o ritmo e a proporção. O oposto que a cidade enfrentava neste maio de 2024
A saída em campo para entrar no centro histórico vendo a história se repetindo, com seu legado, cultura e comércios, inundado sua vida e esperança em suspensão foi um ato de coragem emocional e tentativa de sublimar o caos através da beleza. O registro do que nos toca pelo intermédio do estupendo entre a estética, a ética e a política. Forma de elaborar uma lembrança de algo que não se quer viver novamente enquanto sociedade e paradoxalmente ver a natureza avançando no que é seu e nos foi nos cedido para uso humano momentâneo. O volume massivo de água permeia as construções. O reflexo criado remete a uma versão invertida e distorcida da cidade nos mostrando as consequências de nossos atos, consumo e escolhas transbordados pela justiça dos Rios.
O momento do registro era como estar transportado para uma cidade fantasma onírica. Sem pessoas, buzinas de carro, ronco de motores. Silenciado o frenesi habitual de um centro urbano do século XXI. Me senti, trágica e ironicamente, dentro da série em que vinha trabalhando da Arquitetura Silenciosa.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente sigo na produção da série Arquitetura Silenciosa. Focando nesse momento não em composições quadradas e sim explorando panorâmicas compondo com o perfil da cidade no horizonte. Outro trabalho em paralelo são registros em regiões de pouca poluição luminosa em locais de natureza abundante para produzir imagens da via láctea no céu noturno.