Foi durante os últimos estertores da ditadura militar no Brasil que o soteropolitano Alvaro Villela começou a fotografar. Ele cursava Biologia na Universidade Federal de Sergipe e militava no movimento estudantil. Ao assistir ao filme “Sob Fogo Cerrado”, encantou-se pelo personagem principal, um fotógrafo norte-americano que se alinhou à revolução sandinista ao cobrir a guerrilha na Nicaragua.
A vida profissional acabou conduzindo Alvaro Villela para a fotografia publicitária, porém, a partir dos anos 2000, quando voltou a viver em Salvador (BA), passou a desenvolver projetos autorais engajados com a cultura popular. Com o Portfólio intitulado “O sertão dos Pankararé”, Alvaro Villela é um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024. O material foi captado no Raso da Catarina, um dos locais mais inóspitos do sertão baiano, mas especificamente na baixa do Chico, onde vive o povo indígena Pankararé.
Descubra mais sobre o fotógrafo e sua obra na entrevista a seguir.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 63 anos e vivo e trabalho em Salvador/BA.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por quê? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Comecei a fotografar no final dos anos 1980, um período ainda marcado pela luta pelas liberdades democráticas no Brasil, sob o governo de um general, Figueiredo, imposto pelo regime militar. Assim como muitos jovens da minha geração, eu estava profundamente envolvido nessa luta. Morava em Aracaju, onde cursava Biologia na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Em 1982, fui eleito presidente do DCE-UFS e militava no PCdoB. Esses anos foram de intensa ebulição política, tanto na minha vida quanto no país.
Foi nesse contexto que assisti ao filme *Sob Fogo Cerrado*, em que Nick Nolte interpreta um repórter fotográfico americano cobrindo a guerrilha na Nicarágua. A narrativa me impactou profundamente: o personagem percebe que ser neutro era, na prática, escolher o lado da contra-revolução, e opta por se alinhar aos sandinistas, usando a fotografia como uma arma de luta. Aquilo me tocou de tal forma que saí do cinema decidido a me tornar fotógrafo. Como não encontrei um curso de fotografia, acabei me inscrevendo em um curso de laboratório em preto e branco, e, para minha surpresa, deu certo… (risos) Estou aqui até hoje.
A fotografia tem estado presente na minha vida por mais de 34 anos. Nos primeiros 10 anos, além de lecionar por um ano como professor convidado na UFS, fui abduzido pelo mercado publicitário, o que me afastou de minha essência criativa. Somente nos anos 2000, ao retornar para minha cidade natal, Salvador, decidi me distanciar da fotografia comercial e embarcar em uma jornada de busca pessoal. Foi assim que nasceu o projeto *Cuba dos Cubanos*, meu primeiro trabalho autoral. Posteriormente, essa busca interior me levou a explorar os recantos mais desconhecidos do meu estado, como o Raso da Catarina. A fotografia está intimamente ligada à minha vida; é o meu fazer poético.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde ele foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Como mencionei anteriormente, minha imersão no interior da Bahia, meu estado natal, foi, na verdade, uma auto imersão, um mergulho interior em busca de mim mesmo. Durante mais de um ano, convivi com o povo Pankararé, indígenas que habitam a baixa do Chico, uma das regiões mais remotas do Raso da Catarina. Isso aconteceu no início dos anos 2000, e posso afirmar sem exagero que foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. A convivência com aquelas pessoas, tão diferentes e ao mesmo tempo tão semelhantes nos anseios, me tocou profundamente.
As fotografias que resultaram dessa experiência não são propriamente sobre os índios Pankararés, como eles se autodenominam, mas sim sobre a forma como eu os vejo. Meu foco não está no tema em si, mas em como eu o trato. Minhas imagens contam histórias de uma gente que vive em plena harmonia com a natureza, onde ambos se tornam um só. A capa do meu livro, “A Natureza do Homem no Raso da Catarina”, lançado em 2006, traz a fotografia *Mimetismo*, que também faz parte do portfólio selecionado, sendo a imagem número 15 (na capa deste post). Nela, um menino-galho se confunde com a copa de uma árvore, simbolizando a fusão entre o humano e o natural, a essência do meu trabalho.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente, as circunstâncias me trouxeram de volta ao mercado publicitário, onde continuo fotografando para algumas agências. Isso me permite desenvolver meus próprios projetos autorais. No momento, estou focado no projeto *Yabás*, uma série de fotografias em preto e branco, criadas em estúdio, que buscam capturar a força e a delicadeza do feminino.