Dono de uma mente em constante pesquisa e experimentação, os trabalhos de Gal Oppido envolvem tanto a elaboração conceitual dos temas quanto o domínio dos recursos técnicos utilizados para obter o resultado visual desejado. Paulistano nascido em 1952, ele se formou em Arquitetura, antes de seguir carreira como desenhista e fotógrafo – em anos recentes, também tem produzido bastante em vídeo. Sua produção fotográfica está centrada no corpo humano. Em parte por conta do próprio tema que aborda, sempre busca explorar as qualidades físicas da imagem.
Obra recente, o ensaio Shunga: Serenos e Ofegantes, baseado na arte erótica japonesa (shunga), é um exemplo da variedade de abordagens do artista. Desenvolvido ao longo dos últimos cincos anos, representa um elemento agregador de toda a trajetória de Oppido. “Não tenho preconceito com equipamento. O que define o que se deve usar é o projeto no qual se está trabalhando. A escolha do equipamento na criação fotográfica é como a escolha do pincel nas artes plásticas. É ele que vai definir a textura da imagem”, afirma.
A combinação câmera, lente e filme ou sensor dá diferentes resultados segundo as opções realizadas pelo fotógrafo em relação aos três itens. Oppido ainda usa ocasionalmente sua câmera de médio formato Hasselblad 500 C/M combinada com película P&B Kodak Tri-X, já que a textura do grão do filme é bem diferente da apresentada por sensores de câmeras digitais – ainda que seja possível simular o efeito com uso de filtros durante a pós-produção.
Com relação às câmeras digitais, ele optou pelo sistema Canon e tem três corpos: EOS 5DS R, EOS 5D Mark IV e EOS Rebel T4i – o sensor desta última foi alterado para captar ondas de infravermelho, conversão realizada na oficina da loja Optison, em São Paulo (SP). Oppido gosta de utilizar essa câmera em locações externas e geralmente usa tratamento em P&B, o que faz com que os tons de verde saiam bastante claros, os tons de pele percam textura e os olhos sejam representados com um aspecto estranho.
Oppido costuma usar a objetiva SMC Pentax-6×7 120 mm f/3.5 Soft com adaptador em suas câmeras Canon. Essa lente permite obter um desfoque mais acentuado nas margens da imagem quando ajustada em aberturas maiores que f/8. “Uso bastante o foco seletivo e pequenas profundidades de campo, esse recurso permite fazer com que o fundo se transforme em um cenário construído”, define.
Recursos e luz
Entre os recursos presentes na câmera, Oppido costuma lançar mão de dois: com o stop motion realiza animações a partir de fotografias e com o recurso de HDR, acessado normalmente para obter alto alcance dinâmico pela fusão de duas ou mais imagens, ele obtém retratos sobrepostos, mudando o modelo de posição entre um clique e outro.
Ao falar sobre iluminação, o fotógrafo evoca o curso que deu durante vários anos no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), intitulado “Luz marginal procura corpo vago”. O curso parte do princípio de que não existe luz ruim. É preciso acima de tudo entender a natureza de cada luz, seja de uma vela, de uma lanterna ou até mesmo o LED de um celular, e saber o que se pode obter com ela.
Oppido tem predileção por fontes de luz contínua. Conta que gosta de usar as diversas opções de refletores e filtragens que ganhou como remuneração por um trabalho realizado para o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, quando este fechou suas portas ao público, em 2008. Ele também construiu uma fonte de luz própria, composta de três anéis de neon com diâmetros de 60, 80 e 100 cm, normalmente posicionados em torno da lente da câmera, como uma espécie de ring flash, porém com luz contínua – Oppido a utiliza bastante à luz do dia em externas e também em ambientes internos.
Parte importante da atividade criativa de Oppido concentra-se na produção: escolha dos modelos, parcerias com maquiadores, figurinistas e outros artistas, preparação e direção de cena. “Minha fotografia tem como foco o corpo humano, não o corpo sensual ou atraente do ponto de vista de uma beleza ideal, e sim o corpo como objeto, como a única coisa que a gente tem. Por isso, trabalho com corpos diversos e particulares, não existe homogeneidade na escolha dos modelos, fotografo transexuais, pessoas muito altas ou muito baixas, cabe de tudo na minha abordagem”, conta.
Erotismo japonês
As imagens da série Shunga: Serenos e Ofegantes contam com a colaboração dos estilistas Mauro Spolaor, Caio da Rocha e Alex Kazuo, que desenvolveram quimonos especialmente para as seções – Oppido também usou um quimono, que fez parte da coleção do estilista francês Yves Saint Laurent, inspirado em trajes japoneses típicos do século 18. Algumas fotografias tiveram o fundo recortado em branco e receberam intervenções baseadas em caligrafias imaginadas da artista Catarina Gushiken.
São cerca de 3.500 imagens acumuladas ao longo dos últimos cinco anos, inspiradas na gravura erótica japonesa desenvolvida no período Edo, de 1600 a 1868, era em que a sociedade da época viveu em grande isolamento em relação ao resto do mundo.
Nesse trabalho, Gal Oppido também desenvolveu um diálogo com a escrita do poeta e dramaturgo Yukio Mishima (1925-1970), que se matou pelo ritual suicida sepukku (também conhecido como haraquiri), tradição dos samurais.
De uma seleção inicial de 600 imagens, Oppido reuniu uma porção de obras para a exposição do novo projeto, aberta no dia 25 de novembro de 2020, aniversário de 50 anos da morte de Mishima, na Galeria Lume, em São Paulo (SP). Ele também espalhou lambe-lambes com a imagem do poeta pelas ruas do bairro da Liberdade, tradicional para a comunidade japonesa na capital paulista.
A exposição foi a ocasião de lançar dois livros realizados em parte a partir de intervenções de Gal Oppido em materiais gráficos. O livro Intoxicações Poéticas da Carne marca um diálogo imaginário com o poeta Mishima e mistura fotografias com reproduções de desenhos realizados em uma revista de fotografia japonesa dos anos 1960. Já o livro Pequeno Dicionário Erótico Ilustrados Japonês-Português-Japonês apresenta desenhos realizados a partir de palavras relacionadas à shunga, acompanhados de poesias de Celina Ishikawa.