Dentre os 45 membros fundadores da Associação dos Fotógrafos de Natureza (AFNatura), criada em 2009 e tendo Luiz Claudio Marigo (1950-2014) como um dos líderes, figuram apenas quatro mulheres. Esse número dá uma ideia de como o segmento ainda é carente da presença feminina.
No entanto, esse quadro vem mudando em anos recentes, segundo Lena Trindade, fluminense de Cabo Frio (RJ), atualmente vivendo na cidade do Rio de Janeiro. “Quando comecei na fotografia de natureza, em meados da década de 1970, ouvia dizer que só tinha eu de mulher. Nunca pensei sobre isso. Fazia o que gostava de fazer. Cabo Frio é uma ponta de terra que invade o mar. Vivi cercada de natureza. Embarquei nela”, conta.
A paulistana Denise Greco, que ingressou na fotografia em 1986 e vive em Búzios (RJ), aponta para uma mudança de costumes. “Sou de uma época em que quase não existia no Brasil a mulher como fotógrafa de natureza. A mulher e seu papel na sociedade vêm sofrendo transformações. Aos poucos, estamos nos liberando da posição única de cuidar do lar e dos filhos para uma postura de mercado de trabalho, em que nossas opções são reconhecidas e respeitadas por nossos parceiros”, afirma.
Já a carioca Monique Cabral, fotógrafa profissional há 35 anos, acredita que a baixa proporção de mulheres na área pode estar relacionada a uma especificidade desse nicho, que exige muito do ponto de vista físico. “Para ser um bom profissional, é preciso se expor a condições extremas de frio, calor, caminhar por horas carregando muito peso para chegar a locais de natureza selvagem. Muitas vezes somos obrigadas a ficar sem acesso a confortos mundanos, como uma cama para dormir ou um simples banho”, aponta. Para ela, as novas gerações de fotógrafas de natureza estão cada vez mais ligadas à necessidade de treinar como atletas para encarar os perrengues da profissão.
Desafios específicos
A fotografia de natureza é um universo bastante amplo, que envolve algumas especialidades. Lena Trindade se especializou na fotografia de aves e insetos. Para ela, o principal desafio nessa área é aguentar o peso do equipamento, já que é imprescindível usar teleobjetivas longas, de 400 mm até 600 mm, combinadas a câmeras de bom desempenho na captura.
A especialidade de Denise Greco é a fotografia submarina, que tem exigências inimagináveis, segundo ela. Em primeiro lugar, é preciso ser um ótimo mergulhador para poder “esquecer” do equipamento de mergulho, concentrando-se em buscar os melhores enquadramentos. Após achar o assunto a ser fotografado, é preciso iluminá-lo, com o uso de flash, acessório fundamental para conseguir capturar as cores debaixo d’água.
Mas, ao iluminar o assunto, as partículas em suspensão também são iluminadas, afetando a visibilidade. “Na fotografia subaquática temos de driblar as dificuldades o tempo todo. E não podemos esquecer que os animais têm medo daquele equipamento volumoso que levamos para fotografar e se assustam com qualquer movimento. Em função dos mergulhos se darem em lugares lindos, aos poucos fui aprimorando meu equipamento e conhecimento e me tornei uma fotógrafa também de natureza. Não posso deixar de enfatizar meu amor por todos os animais”, comenta.
Antes de se especializar em viagens e expedições e de criar a Trilharte Fotografia & Aventuras, em 1992, Monique Cabral teve uma longa passagem pelo fotojornalismo, tendo feito parte da equipe do jornal O Globo por 10 anos. Dentro da fotografia de natureza, especializou–se em paisagens. Embora não goste de “rótulos”, costuma classificar seu trabalho atual como fotografia autoral documental e ambiental.
Para ela, o equipamento é o que menos conta, mais importante são as ideias e a motivação por trás do ato de fotografar. Ela dá como exemplo um triste acontecimento, do qual acabou tirando lições. Depois de ter tido praticamente todo seu equipamento roubado no centro de São Paulo no início de 2020, viu-se obrigada a usar uma câmera semiprofissional emprestada. Logo veio a pandemia e, impossibilitada de viajar, passou a usar essa câmera para registrar a paisagem de sua janela.
“A experiência já resultou em um acervo com mais de 5 mil cliques até agora. Ou seja, em vez de me deprimir, fotografei muito com esse equipamento e com condições muito restritas, produzindo um vasto material que em breve vai virar uma exposição on-line. Por incrível que pareça, já até vendi várias dessas fotos autorais. Então, esta é a minha dica: não se apegue ao equipamento. Fotografe com o que você tem em mãos e nas condições possíveis. Aos poucos vá adquirindo os acessórios, conforme a necessidade for surgindo”, ensina Monique.
Mercado variado
As três fotógrafas de natureza têm formas distintas de inserção comercial para seus trabalhos. Lena Trindade tem presença no mercado editorial de livros especializados. Tem publicações sobre parques nacionais do Rio de Janeiro pela editora Papelera Cultural e o livro Aves do Jardim Botânico do Rio, pela Editora Hólos. Além disso, trabalha em projetos documentais em outras áreas da fotografia, como o registro sobre a arquitetura de estilo art déco em Niterói (RJ), que desenvolve atualmente e deve resultar em uma exposição com curadoria de Márcio Roiter, presidente do Instituto Art Déco do Brasil.
Monique Cabral investiu na atividade didática ao fundar a Trilharte Fotografia & Aventuras, em 1992. Por meio das viagens realizadas com grupos de alunos, ela pôde financiar suas próprias expedições. A escola ficou aberta até 2017. Atualmente, sua atividade didática está se voltando para o meio on-line. Ela criou recentemente um canal no YouTube chamado “Como Fotografar com Monique Cabral” e pretende lançar em breve uma loja na internet para vender tiragens.
No início da carreira, Denise Greco colaborou com revistas especializadas em mergulho e realizou exposições. Abriu um escritório de fotografia e um banco de imagens para comercializar suas imagens quando morava em São Paulo (SP). “Sempre tive um enorme gosto pela aventura. Financiei meu trabalho a partir da publicação de minhas viagens em revistas e parcerias com companhias aéreas e hotéis. Eu e minha assistente íamos nas principais agências de publicidade, em grandes empresas, e de certa forma ‘convencíamos’ que valia a pena utilizar uma foto submarina ou de natureza em suas campanhas. Com isso fiz muitos trabalhos para empresas como Volkswagen, Caterpillar, Abecitrus, Tilibra, Mercedes-Benz e Johnson & Johnson. Também fotografei vários projetos para a ONG ambiental WWF/Brasil”, conta.
Denise avalia que houve uma grande mudança na aceitação da fotografia em anos recentes. Se, por um lado, o mercado editorial diminuiu com o encolhimento do impresso, por outro, os fotógrafos de natureza ganharam bastante espaço no mercado de fine art, vendendo tiragens para colecionadores. “Esse mercado fez com que eu deixasse de ser uma fotógrafa que registra a natureza e me desenvolvesse como uma artista que se utiliza da fotografia de natureza para me expressar”, resume ela, cujo trabalho está representado nas galerias 27 e Flory Menezes, em Búzios, e BBArte Ipanema, no Rio de Janeiro.