Quando se pensa em projetos de fotografia documental de longa duração um dos primeiros nomes a vir à mente é do norte-americano William Eugene Smith. Nascido em 1918, em Wichita, Kansas, ele presenciou quando adolescente uma tragédia familiar. Seu pai se suicidou em 1934, por conta da seca que atingiu a bacia do Rio Arkansas, levando muitos fazendeiros à falência. Apaixonado pela fotografia, Smith iniciou estudos na Universidade de Notre Dame, abandonando o curso quando tinha 18 anos para mudar-se para Nova York, em busca de oportunidades profissionais.
Depois de uma breve passagem pela revista Newsweek, de onde saiu por conta de uma recusa de fotografar com câmeras de grande formato, Smith entrou para a equipe da revista Life em 1939. Seu estilo destemido e aventureiro marcou uma rápida ascensão na publicação, que teve papel decisivo no desenvolvimento das grandes reportagens ilustradas por fotografias. Smith foi enviado para a cobrir a Segunda Guerra Mundial acompanhando a campanha militar norte-americana no conflito no front do Pacífico. Sua atuação como fotógrafo de guerra marcou o rápido amadurecimento tanto estético como de princípios. Sobre o período, ele comentou:
“Não é possível construir uma nação para matar e assassinar sem que se cause danos na mentalidade… essa é a razão para que eu cubra uma guerra, pois quero que minhas fotos carreguem uma mensagem contra a ganância, a estupidez e a intolerância que causam essas guerras e a destruição de tantos corpos.”
Ferido por um morteiro na batalha de Okinawa, no Japão, em 1945, W. Eugene Smith sentiu na pele as desgraças da guerra. Seu trabalho na cobertura do conflito abriu seus olhos e moveu seu espírito no sentido da denúncia e da busca pela reparação. Após dois anos de tratamento, Smith retomou suas atividades como fotógrafo da revista Life e passou a investir na cobertura de projetos documentais de longo prazo, caracterizados por uma consciência social e pela empatia com os temas e as pessoas fotografados.
Grandes reportagens
De 1948 a 1954, Smith desenvolveu uma série de grandes reportagens que consolidaram sua reputação como fotógrafo. Para desenvolver o ensaio intitulado Contry Doctor, considerado a primeira reportagem fotográfica extensa a ser publicada em uma revista, em 20 de setembro de 1948, Smith passou várias semanas acompanhando o trabalho do doutor Ernest Ceriani no atendimento a populações isoladas no estado de Colorado. O trabalho mostra as vicissitudes e desafios da profissão médica, em constante batalha pela cura e a vida.
Em 1949, Smith foi enviado ao Reino Unido para fotografar a disputa eleitoral que resultou na eleição de Clement Attlee como primeiro ministro. Na sequência, foi enviado ao País de Gales para cobrir a situação precária dos trabalhadores em minas de carvão. Uma das imagens mais marcantes desse trabalho mostra três homens, pai, filho e avô, que representam três gerações de mineiros, que posam com os rostos sujos de carvão diante de uma paisagem desoladora. Smith se destaca desde cedo pela abordagem de temas de grande impacto, retratando pessoas que vivem situações degradantes, em busca de seu sustento.
Ao longo do ano de 1950, W. Eugene Smith passou alguns meses na cidade de Deleitosa, em Extremadura, Espanha, registrando o cotidiano miserável de seus habitantes. O trabalho é um retrato cruel da Espanha rural franquista. O fotógrafo foi perseguido pela polícia local e teve de evadir-se pela fronteira com a França para evitar que o material produzido fosse confiscado. Uma longa reportagem foi publicada nas páginas da Life em abril de 1951.
No mesmo ano, Smith acompanhou a rotina estafante da enfermeira negra Maude Callen em seu trabalho de atendimento a populações da Carolina do Sul. A publicação da história atraiu a atenção da sociedade civil, resultando em uma campanha de doações que permitiu a construção de um hospital na cidade de Pineville.
Em 1954, Smith acompanhou o trabalho do médico e missionário franco-alemão Albert Schweitzer no Gabão, país africano que naquela altura ainda fazia parte do império colonial francês. Smith sugeriu diversas propostas de edição do material enviado ao editor. Ao ver a matéria publicada de forma completamente distinta daquelas propostas, Smith ficou indignado e resolveu romper seu contrato com a Life, encerrando um período de quase 10 anos na publicação.
Projetos pessoais
No ano seguinte, Smith entrou para a agência Magnum, grande referência para a fotografia autoral. Seu primeiro trabalho de documentação na agência foi a criação de um panorama fotográfico sobre a cidade de Pittsburg, um dos principais centros de indústria metalúrgica nos Estados Unidos, que apresentava elevados índices de poluição em decorrência da atividade industrial. O trabalho era uma encomenda que previa um mês para a captura das imagens e a entrega de uma centena de fotografias, mas acabou se estendendo por dois anos, gerando cerca de 13 mil negativos. O caráter obsessivo de Smith levou até mesmo a rusgas internas na Magnum, que precisou cobrir boa parte dos custos com o projeto.
Em 1957, Smith mudou-se com sua esposa Carmem e os quatro filhos de uma cidade no subúrbio de Nova York para um loft em Manhattan. No espaço, montou um estúdio de gravação e passou a convidar músicos de jazz para fazerem performances que eram gravadas e fotografadas. Daquele ano até 1965, produziu um extenso arquivo de imagens e gravações, cujo conjunto foi intitulado The Jazz Loft Project.
Em 1970, Smith conheceu Aileen Sprague, então com 20 anos, filha de mãe japonesa e pai norte-americano. Ela trabalhou como intérprete para o fotógrafo, traduzindo para o japonês uma entrevista dada por ele à Fujifilm. O encontro transformou-se em relacionamento e dois se casaram em 1971. O novo relacionamento abriu ao fotógrafo as portas para o grande projeto fotográfico que marcaria a coroação de sua trajetória. Naquele mesmo ano de 1971, o casal mudou-se para a cidade de Minamata, no Japão, para realizar a documentação de problemas vividos pelos habitantes em decorrência da poluição das águas com mercúrio e outros metais pesados descartados em rios da região pela fábrica Chisso.
Ao longo de três anos, Smith fotografou o impacto da poluição, criando sua foto mais emblemática, que mostra a mãe dando banho em seu filho Tomoko em uma banheira. O menino nasceu com mal formação por conta da contaminação da mãe no período da gravidez. A imagem correu o mundo e chamou a atenção para o problema. Smith chegou a ficar severamente machucado durante a repressão a manifestações de moradores por parte de seguranças pagos pela empresa.
De retorno aos Estados Unidos, Smith publicou o resultado de seu projeto no livro Minamata, lançado em 1975. Seu estado de saúde deteriorou-se nos anos seguintes, resultando na sua morte em 1978, após sofrer um AVC.
Para além dos projetos de longa duração, aos quais se dedicava com afinco, entregando-se de corpo e alma, Smith deixou como legado a produção de cenas de grande carga dramática, que criam diálogo a com história da arte. W. Eugene Smith (1918-1978) passou para a história como um dos principais nomes da fotografia documental em sua fase de consolidação, iniciada com o surgimento das revistas ilustradas. Tanto pela profundidade como pelo apuro visual, sua obra é uma referência incontornável para aqueles que desejam se aprofundar na fotografia documental.