CONTEXTO HISTÓRICO
Os costumes Pankararu se refletem em vários grupos do sertão como os Koiupanká, Jeripankó, Kalankó, Karuazu e Katökinn. Ao longo de mais de 500 anos de colonização essas populações foram forçadas a constantes migrações, devido aos avanços das fronteiras agrícolas, à influência do coronelismo, à ação dos missionários, disseminação de doenças e às pressões sociais e econômicas de modo geral. Em decorrência, encontramos todos esses povos fragmentados por vários municípios da bacia hidrográfica do São Francisco, compreendendo os estados da Bahia, Minas Gerais, Alagoas e Pernambuco.
Com o passar dos anos as populações indígenas Pankararu, vem lutando pelo reconhecimento de seus povos e de suas terras historicamente ocupadas. Muitos deles procuram entre si, e com povos de outros troncos, estabelecer contato e relações para a troca de experiências, resgate histórico e cultural e ressignificação de sua identidade.
Como salienta o historiador Jorge Luiz Gonzaga Vieira: “A presença dos povos em Alagoas põe novas demandas políticas e acadêmicas até então ignoradas. O processo de etnogênese das populações indígenas remete ao Estado brasileiro construir novas bases de relacionamento com o diferente. E, cabe a academia atarefa de compreender o processo civilizatório, a construção da resistência e a formação do imaginário identitário indígena”.
O Brasil, ainda império, decretou os povos e aldeamentos indígenas (ainda chamados de índios) extintos, passando a propriedade da terra para particulares e patrimônio público. Ainda em 1978 a perspectiva das políticas públicas do governo era integracionista: “Os povos não existiam mais ou estavam destinados ao desaparecimento, a ponto de autoridades governamentais definirem prazos para a aculturação na sociedade e a sua extinção. A título de exemplo, em 1976, o ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, previu que em dez anos o fim das populações e de sua cultura era dada como certa.” – Jorge Vieira em PRÁTICAS IDENTITÁRIAS E RESSIGNIFICAÇÃO DO UNIVERSO IMAGINÁRIO DOS POVOS INDÍGENAS DO SERTÃO DE ALAGOAS, 2014.
As políticas nacionais os conduziram, por questão de sobrevivência, a uma diáspora silenciosa para ocupar parte do território do agreste e sertão alagoano, reivindicando sua condição indígena apenas após a década de 80, incentivados pela redemocratização e ações indigenistas que ganhavam força em todo Brasil. Até então, eram considerados oficialmente como extintos.
O povo Jeripankó foi o primeiro descendente dos Pankararu oficialmente reconhecida no sertão alagoano. Jorge Vieira frisa: “A partir dessa luta, outros povos também buscaram o reconhecimento étnico, culminando atualmente na existência de cinco comunidades indígenas no Sertão de Alagoas, localizadas em três municípios, a saber: Pariconha (Povos Jeripankó, Karuazu e Katökinn); Água Branca e Mata Grande (Povo Kalankó) e Inhapi (Povo Koiupanká), todas de descendência Pankararu”.
OS RITOS SAGRADOS
“Assim como o Toré é o centro do complexo ritual Pankararu, os Encantados são as figuras centrais de sua cosmologia. “Semente” é a forma material pela qual os Encantados se manifestam pela primeira vez aos Pankararu. Os Encantados são “índios vivos que se encantaram”, voluntária ou involuntariamente e, por isso, o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos. A forma desse “encantamento” só pode ser parcialmente narrada, seja porque constitui um mistério para os próprios Pankararu, ou um segredo que não pode ser revelado a estranhos.
Segundo os Pankararu, o segredo do encantamento é o núcleo da própria identidade da aldeia. Cada povo indígena tem seu panteão de Encantados, mas como cada tronco é marcado por uma determinada forma de “encantamento”, esses Encantados podem ser partilhados durante um determinado tempo por grupos ligados entre si como “pontas de rama” de um mesmo tronco velho.
O Praiá é a “farda” do Encantado, isto é, a saia e a máscara de fibras de Croá ou Ouricuri que corresponderá a apenas ele.
“Levantar é tecer”. Isto é, para levantar um Praiá, o zelador do encantado, que passará a ser também um “pai de Praiá”, deve confeccionar ou contratar a confecção, por um dos poucos artesãos especializados na aldeia, da roupa e da máscara de palha de Ouricuri que servem para encobrir a personalidade do dançador e que é, quando vestida sob determinadas prescrições, a materialização do próprio Encantado.
O Praiá é a conjunção em ato, do Encantado, do dançador e da roupa e máscara de Ouricuri ou Croá, devidamente consagrada pelo zelador. Os zeladores não são as mesmas pessoas que ocupam o lugar de dançadores. Aos primeiros cabe um papel mais religioso, de orientação e guarda da tradição, através do cuidado com as sementes que lhes foram transmitidas, com as roupas dos Praiás e com o contato permanente com os Encantados, funções que normalmente se associam às qualidades de rezador e pai de família. Os segundos são normalmente homens jovens, casados ou não, capazes de “segurar a brincadeira” do Toré, já que ela geralmente implica em muitas horas seguidas de dança dentro de pesadas roupas de palha de Ouricuri, ou fibras de Croá, e nos rituais do Menino do Rancho e da festa do Umbu, em disputas corporais que exigem grande vitalidade física.
Os dançadores são escolhidos pelo zelador da semente do Encantado dentro de seu círculo familiar ou de afinidade. Mesmo sendo comum a população local conhecer e reconhecer, através de suas características corporais ou de suas performances, a identidade dos dançadores, esta não pode ser revelada, fazendo parte sempre respeitada dos segredos que compõem o ritual, sob o risco, para aquele que a pronuncia, de sanções que podem levar da doença à morte”.
Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pankararu
Os principais ritos dos Pankararu são celebrados durante as cerimônias do Menino do Rancho e da Corrida do Imbu (umbu). Este último ocorre durante 3 semanas do mês de março e envolve também a queima do cansanção, uma variedade de urtiga, que envolve autoflagelo e possui um grande sincretismo com o catolicismo.
As fotos deste ensaio foram feitas na Aldeia Katökinn, na cidade de Pariconha, interior de Alagoas, a convite dos líderes da aldeia, durante as celebrações da Corrida do Imbu.