Cinco décadas de andanças pelo Brasil e um balanço de vida fenomenal. Araquém Alcântara foi o grande responsável pela divulgação da fotografia de natureza no País, que se diz gigante pela própria natureza. O marco dessa trajetória foi o lançamento de Terra Brasil, em 1997. Para compor o livro, Araquém percorreu todos os parques nacionais, ao longo de 15 anos. Terra Brasil é até hoje o maior sucesso de vendas e crítica em uma carreira que conta com 55 livros solo e outros 22 em coautoria.
Para comemorar meio século de jornada, o fotógrafo de 69 anos, nascido em Florianópolis (SP), criado em Santos (SP) e que vive em São Paulo (SP), pretende lançar três livros: um sobre a Serra do Amolar, no Pantanal brasileiro; outro dedicado a uma retrospectiva; e um terceiro sobre a Amazônia, que será publicado em alemão e está programado para ser lançado na feira do livro de Frankfurt, Alemanha, em setembro de 2021.
A marca do trabalho de Araquém está na busca de uma abordagem autoral, que envolve consciência política e responsabilidade. Esse olhar para o meio ambiente brasileiro extrapola as paisagens naturais e enquadra também os povos tradicionais e suas culturas. Atua ainda como uma poderosa ferramenta de protesto em prol da preservação da natureza.
O primeiro trabalho a causar estardalhaço na opinião pública nacional foi a foto de seu pai, Manoel Alcântara, segurando um quadro com uma fotografia de uma pilha de caveiras de vítimas do ataque nuclear de 1945 em Hiroshima, no Japão. Feita na Praia da Jureia, litoral sul de São Paulo, em setembro de 1980, a imagem se tornou emblemática por ajudar nas manifestações bem-sucedidas pela proibição da construção de uma usina nuclear na região.
Daquele sucesso em diante, muitas alegrias e algumas tristezas marcaram essa caminhada, sobre a qual Araquém, o fotógrafo viajante, colecionador de mundos, comenta nesta entrevista para Fotografe.
Fotografe – Olhando para trás, desde aquela primeira foto feita com seu pai segurando o quadro com as caveiras humanas, como resumiria sua jornada de 50 anos com o olho no visor da câmera?
Araquém Alcântara – Uma luta com fotos e palavras por uma nova ética, uma nova consciência. Uma contribuição para uma memória e identidade nacionais. Um sentido de pátria. Minha fotografia é resultado de uma profunda verdade interior, de um compromisso em defesa da vida. Vejo a arte como agente de transformação para espalhar belezas, ativar a imaginação, clamar por justiça.
Em que momento da sua carreira você se viu não apenas como um fotógrafo de natureza e vida selvagem, mas também como um documentarista do meio ambiente com olhar engajado em uma luta nobre?
Só me transformei em fotógrafo da vida selvagem depois de conhecer a Mata Atlântica do litoral de São Paulo, no final dos anos 1970. Foi uma grande epifania me aventurar mata adentro e ficar naquele útero de vida, dias e dias, olhando, contemplando toda aquela magnitude, tentando reproduzir toda aquela beleza. No começo dos anos 1970, quando comecei a fotografar, o que existia para mim era o cais, o suor do cais, a tormentosa batalha dos trabalhadores, o cotidiano da cidade de Santos, onde morava.
Com sua experiência, como enxerga o futuro da Amazônia e outras áreas que precisam ser preservadas no Brasil?
O momento é terrível, mas vejo um futuro possível da floresta em pé com o engajamento da opinião pública mundial. Somente com o envolvimento de todo o planeta haverá um futuro sustentável. O Brasil hoje está na contramão da história com esse genocídio intencional em curso.
Que momento nesses 50 anos de estrada lembra com carinho especial?
Foram vários momentos decisivos para minha história pessoal. O primeiro foi em janeiro de 1980, quando acreditei na história de um funcionário do hotel Tropical de Manaus que contou sobre uma onça que teimava em se aproximar de uma comunidade nos igarapés onde morava, próximo a Manacapuru, um município do Amazonas. Fui lá e fotografei minha primeira onça. Essa imagem me deu a certeza de que o fotógrafo tem que ter determinação, um propósito maior, e me revelou que meu caminho era ser um contador, um intérprete do Brasil.
O inverso: que momento não gostaria de ter vivido ou visto em sua carreira?
O horror de tanta desertificação, de tantos crimes cometidos contra a maior riqueza deste País que é sua natureza, de tanta injustiça que sofre o brasileiro anônimo sem voz, esses que são exterminados silenciosamente, esses que dormem com fome nos ermos desta tal pátria amada.
Que projeto você gostaria de ter feito e ainda não fez?
Um livro sobre os bichos e a paisagem do Brasil só para crianças, uma celebração dos pescadores, um livro só sobre os indígenas, mais uns dois ou três livros sobre a Amazônia e seu povo maravilhoso.
Além de você, que outros grandes fotógrafos de natureza, vida selvagem e meio ambiente estão em atividade hoje que podem ser referência para jovens fotógrafos?
Não tenho acompanhado como deveria a produção dos fotógrafos de natureza no cenário mundial, mas já basta a obra de Ansel Adams para indicar o caminho.
Um lado mais técnico: você tem câmera e lente preferidas? Aquelas que você escolheria caso só fosse possível levar um corpo e uma lente para fotografar?
Difícil, mas, já que é assim, levaria uma Leica digital e uma lente 24-70 mm.
Qual sua luz preferida? Por quê?
Quando estou fotografando, acompanho toda a luz do dia, faça chuva ou sol. A grande foto, que costumo chamar de “fotanga”, pode surgir em qualquer luz pela sua beleza intrínseca ou pelo inusitado da situação, cabe ao fotógrafo com seu talento e técnica revelar a cena em sua real grandeza.
Dos 55 livros que você publicou, qual livro marcou sua carreira mais pelos desafios encontrados ao longo de sua realização? Por quê?
Certamente o Terra Brasil, publicado em 1997, e que se transformou no livro de fotografia mais vendido em todos os tempos no Brasil. Foram 15 anos registrando os parques nacionais e mais cinco para viabilizar a publicação, em uma época em que a fotografia de natureza era um gênero pouco reconhecido. Além dos 55 livros publicados, tenho 20 em coautoria. Espero ter energia para ultrapassar os 100.
O livro Terra Brasil é um grande sucesso de público e crítica. Quais as razões desse sucesso?
O Terra Brasil está na décima segunda edição e estou preparando a décima terceira. A cada edição mudo um pouco as fotos, mas mantenho a estrutura original. Acredito que o sucesso esteja ligado a um olhar compassivo e poético sobre o País, valorizando nossas belezas e a dignidade de nossa gente.
Em quais livros você trabalha atualmente? Quando estão programados para sair e por qual editora?
Em novembro sai o livro 56: Pantanal Serra do Amolar, uma região pouco conhecida do Pantanal do Mato Grosso, na divisa com a Bolívia. Em parceria com a Editora Vento Leste, de Mônica Schalka, estou trabalhando em mais um livro sobre a Amazônia e outro sobre os cinquenta anos de carreira. Em seguida, vou fazer um livro para os novos fotógrafos, outro sobre a paisagem brasileira e um livro da fauna brasileira para crianças.
Qual a importância de se trabalhar em parceria com curadores? Quais curadores lhe trouxeram os elementos mais relevantes para seu trabalho e por quê?
O curador é o aliado para realizar uma obra que tenha narrativa e profundidade. É o profissional que não o deixa ser levado apenas pela emoção.
Quem é Araquém Alcântara?
Sou um fotógrafo brasileiro, viajante, poeta e colecionador de mundos.