Há quatro anos, na solidão cortante de uma rodovia, o tempo suspendeu sua lógica diante de mim. Um caminhão, sem freios, cruzou a linha do acaso e veio tombando em minha direção, carregando consigo a violência de um destino que não escolhi. Em segundos, o som do impacto se tornou memória e o cheiro do asfalto quente misturado ao medo passou a habitar minha rotina. Três veículos envolvidos. Uma vida perdida. E um trauma silencioso que se arrastou por semanas, como um eco entre os ruídos do cotidiano.
Desde então, toda vez que cruzava aquele ponto na estrada, era como atravessar a fina membrana entre o presente e o abismo do que poderia ter sido. Foi ali, no acostamento da dor, que percebi um crucifixo de madeira fincado no chão — discreto, mas pulsante como um marco de luto. Um memorial. Um grito calado pela perda. Aquele símbolo me atingiu com mais força que o próprio acidente. Ele não era apenas um gesto; era uma permanência.
Como fotógrafo, compreendi que ali havia algo que precisava ser registrado — não apenas como documento, mas como reverência. Iniciei, então, um ensaio sobre esses altares espontâneos, muitas vezes ignorados, erguidos à beira das estradas. Memorializações anônimas que denunciam a brutalidade do trânsito, a pressa das cidades, a imprudência cotidiana.
Minhas imagens são todas em preto e branco, uma escolha que não é estética, mas simbólica: o luto não tem cor. É ausência. É sombra. É silêncio. A dureza da luz nas composições representa o impacto — a notícia abrupta que dilacera os que ficam. Há cortes agressivos de luz e sombra, contrastes severos, como se a fotografia fosse obrigada a interromper a suavidade para provocar. Para fazer parar.
O título do ensaio — “Falta muito pra você chegar?” — é uma pergunta que reverbera em múltiplas direções. É o questionamento angustiado de quem espera. É a provocação feita ao condutor apressado. É o suspiro de quem ficou. E, sobretudo, é um convite à consciência. Que cada cruz na beira do asfalto nos lembre que ali houve um fim, mas que cada um de nós pode evitar o próximo.
Com esse ensaio, não busco apenas tocar, mas também alertar. Porque cada clique que eu fiz carrega a esperança de que, se formos mais atentos, mais humanos e mais prudentes, talvez eu não precise mais fotografar esses marcos de dor.