Em 2010, recebi um convite para mergulhar em uma expressão ancestral chamada Marujada, uma manifestação que, segundo registros, ocorre por toda a costa atlântica do estado do Pará e possivelmente até o estado do Maranhão. Como manifestação Cultural que se espraia por tão extensa área, em cada localidade, as comunidades “imprimem” à Marujada algo de seu, uma particularidade que torna única a Marujada apesar dos traços comuns que nos permitem reconhecê-las como parte da mesmo tronco, pois é antes de mais, uma festividade de devoção a São Benedito, o “Santo Preto”.
O convite recebido, portanto, em 2010, era pra registrar a Marujada em Quatipurú-Pa, município a cerca de 250 Km de Belém. E, dentro dessa Marujada, retive atenção à figura do Mascarado. Elemento indexado à procissão de encerramento, sem par em nenhuma das outras expressões da Marujada existentes no estado. A figura dos Mascarados, como brinquedo popular, dentro da Marujada, enquanto devoção a São Benedito, fez-me voltar ano após ano à festa do santo da água e do fogo.
O mascarado se integra ao sagrado ao passo que o subverte. No jogo de rua, ele corre atrás das crianças ( e de alguns adultos), em contra-partida, elas tentam revelar-lhes a face, roubando suas máscaras. Ao final, são os mascarados que sobem ao mastro adornado de brinquedos e distribuem para os pequenos. São também eles que levam os mastros derrubados para dentro do barracão, onde ocorre o encerramento da festividade de São Benedito. As imagens deste ensaio são foram capturadas entre 2010-2023.

O cargo de Capitoa, como o de Capitão da Marujada, é vitalício. E Dona Antônia foi uma capitoa que conduzia a tradição com rigor. Seu pedrinho nem ousava questioná-la, nos confidenciava entre sorrisos. Afora isso, sempre foi acolhedora conosco, e num dos últimos anos que estive em Quatipurú, chegando pela manhã, vindo de uma outra Marujada, a de Bragança (Pa), ainda pude tomar com ela uma das cervejas que restaram da noite anterior, da festa de seu novo casamento.

Esse foi o meu primeiro contato com a Marujada de Quatipuru. Soube de imediato que não era uma programação de multidões, mas logo soube também que era uma festa de tradição bem rigorosa. Apenas quem tinha família na tradição poderia vestir-se de marujo ou maruja ou se fosse convidado (a) autorizada pela capitoa. Diferente de outras expressões da Marujada em outras localidades.

Seu Pedrinho, capitão da Festa, era uma segunda autoridade, a ele era confiada a preparação dos Mascarados. O corpo de Marujas transitava pelas ruas da cidade de Quatipurú e por volta das 14h, passava em frente à sua casa, a partir dalí, os mascarados se integravam ao cortejo e o jogo entre os “palhaços”, como também são chamados, e as crianças dá-se em campo aberto.

É nesse momento em que o Mascarado se redime. E deixa de ser a figura que impõe medo com o cipó na mão, para a figura que promove a alegria, distribuindo os brinquedos dos Mastros. (exceto se ele resolver, colocar alguns no saco e levar pra casa. Mas essa é uma outra história, quem também tem seu caráter cômico no jogo. Pois há sempre alguém de olho na oportunidade de faturar o combo, roubando o saco de brinquedos do palhaço).


