Nos últimos anos venho estudando e observando, em cidades de diferentes estados brasileiros, as manifestações de fé.
Desse Brasil plural e sincrético escolhi, em uma Semana Santa, rumar a uma pequena cidade da Bahia para ver de perto grupos de penitentes e suas práticas, de origem católica, que vêm dos tempos medievais.
Os Penitentes acreditam que com seus rituais podem salvar almas perdidas e aliviar pecados.
Há grupos que manifestam sua fé caminhando, em fila indiana, durante as noites da quaresma, nas ruas de bairros periféricos em direção ao cemitério, entoando cânticos e orações, parando em alguns pontos chamados estações para entoarem rezas específicas. Estes, conhecidos como Penitentes Alimentadores de Almas, formados por mulheres, homens e crianças. Chegando no cemitério, uma série de lamentos toma lugar ao lado de túmulos e velários. Além dos Alimentadores de Almas, pude acompanhar um grupo de Penitentes Disciplinadores de Almas – grupos secretos, extremamente fechados, compostos exclusivamente por homens.
Ao modo dos Alimentadores de Almas, os Disciplinadores caminham rumo ao cemitério entoando suas rezas mas, no final do trajeto, já dentro do cemitério e passando da meia noite, parte de seus componentes inicia o autoflagelo, balançando ritmadamente finos chicotes de couro com lâminas cortantes em suas extremidades, para que o peso de seus pecados seja aliviado por meio da dor e do sangue derramado, até que suas vestes fiquem cobertas de vermelho.
Lençóis brancos encobrem seus corpos e, alguns grupos de Disciplinadores de Almas usam mortalhas com as cores e simbologias próprias de cada grupo.
Presenciei também, Penitentes Disciplinadores de Almas que passaram a madrugada fazendo vigília em um sítio, em uma pequena saleta-capela improvisada, à luz de velas, entoando cânticos e orações noite adentro pela saúde da matriarca enferma.
Arrebatada pela emoção de presenciar tamanha fé e uma tradição que perdura atravessando séculos e culturas, trago algumas imagens que ficaram impressas em mim, sobretudo quando fecho os olhos.