Fortaleza e Rio de Janeiro, separadas por mapas e histórias, se aproximam em pequenos gestos: uma porta de um parque que ecoa na entrada de um museu, uma folha enorme do Jardim de Burle Marx que encontra sua irmã em miniatura nas ruas de Fortaleza. Não se trata apenas de coincidências visuais, mas de símbolos: expressões de algo maior, arquétipos que atravessam culturas, geografias e tempos.
Entre o grandioso e o íntimo, entre a natureza domesticada e a que cresce livre nas frestas, revelam-se espelhos inesperados. O que parece particular de um lugar revela ser, também, parte de um repertório coletivo, ancestral. Um movimento, uma textura, um olhar; tudo se repete, ainda que de forma diferente. Como se as cidades compartilhassem sonhos e lembranças, traduzidos em arquitetura, natureza e movimento.
Jung chamaria isso de manifestação do inconsciente coletivo; uma camada profunda da psique humana, comum a todos os indivíduos, que abriga experiências arquetípicas acumuladas ao longo da história da humanidade. É nesse território que também caminhou Nise da Silveira, pioneira ao reconhecer, na expressão simbólica dos pacientes psiquiátricos, uma linguagem legítima da alma. Influenciada por Jung, Nise via nas imagens produzidas em ateliês de pintura e modelagem não simples produtos de delírio ou desorganização mental, mas expressões autênticas do inconsciente, tentando se comunicar de forma sensível e visual.
Assim como Nise compreendia que o gesto criativo podia revelar verdades profundas sobre o ser, aqui o gesto urbano também fala. Fala em silêncio, por imagens, por repetições, por espelhamentos. Nesse contexto, mais do que retratar as cidades, este trabalho observa o gesto como elo; o gesto da arquitetura, da natureza, das pessoas. Ver o gesto é ver a alma. E ver a alma das cidades é perceber que, por trás das formas, existe uma memória viva que não é apenas pessoal, mas que fala de todos nós; ainda que em linguagens diferentes.