Aos 66 anos, o maranhense Márcio Vasconcelos constrói uma trajetória fotográfica singular que transita entre a pesquisa antropológica e a expressão autoral. Ex-funcionário do Banco do Brasil que abandonou a estabilidade financeira para se dedicar à fotografia, ele deixou para trás um bem-sucedido estúdio de publicidade para seguir seu chamado como fotógrafo-pesquisador, idealizador e produtor de trabalhos autorais profundamente conectados com as raízes ancestrais.
Seu portfólio “Bruxos e Curandeiros: A Magia Bantu entre África, Cuba e Maranhão“, finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um monumental trabalho de resgate das conexões transatlânticas da espiritualidade africana. Realizado em Havana (Cuba) e na Baixada Ocidental do Maranhão (especialmente Codó e Guimarães), o projeto traça os fios invisíveis que unem as manifestações religiosas do Palo Monte cubano às tradições dos Pajés de Negro, Terecô e Tambor de Mina maranhenses. Com um olhar respeitoso e etnográfico, Vasconcelos documenta como a diáspora Bantu ressignificou na América Latina a crença na interação constante entre os mundos visível e invisível, criando um registro visual essencial sobre a preservação das cosmologias africanas no continente americano.
Descubra mais sobre esta pesquisa fotográfica extraordinária e os projetos em andamento do fotógrafo na entrevista que segue.



Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
66 anos – São Luís MA.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Na minha vida universitária fiz Engenharia Mecânica e Educação Física, nada a ver com fotografias. Depois entrei para o Banco do Brasil e, com o primeiro salário, comprei a melhor câmera da época. Aí começava a nascer um fotógrafo em mim. Fotografava tudo, como um amador ávido e descobridor das luzes e sombras. Decidi sair do BB com um plano de demissão voluntária que ele oferecia, o PDV, com a indenização comprei um terreno no centro de São Luís e construí um estúdio muito bem equipado e espaçoso.
Trabalhei muito e ganhei uma boa grana com fotografia publicitária. Depois de um certo tempo na publicidade percebi que tudo que fazia era descartável e atendia ao objetivo dos clientes, mas não me satisfazia, não me achava dono da idéia. Mudei de ramo e passei a fazer meus trabalhos autorais, onde seria o idealizador, pesquisador e produtor das pesquisas e das imagens, podendo fazer tudo isso sozinho. A minha forma de fotografar é bem solitária. Estou sempre inquieto e na busca de temas para novos trabalhos. A fotografia é minha forma de viver intensamente.




Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Ao desvendar a diáspora africana desponta a conclusão de que a América Latina é, definitivamente, o epicentro do extraordinário no mundo. Tal constatação se vislumbra ao explorar criativamente conexões seculares entre Europa (Portugal), África (Congo e Angola) e América Latina (Brasil e Cuba).
Bantu é o nome que se dava a inúmeras populações que viviam na porção sul-equatoriana da África, sua presença era tão forte que eles acabaram por ocupar uma enorme extensão territorial.
Compreende-se que estes povos – diversos em suas línguas, formas de organização sociais e políticas – iniciaram sua ocupação em 3000 a.C., sendo um dos principais grupos escravizados até o final do século XVII.
A religiosidade é um dos principais marcadores destas sociedades, que acreditavam na interação constante entre dois mundos: o visível (dos seres humanos, a terra) e o invisível (dos espíritos e deuses). E é justamente com este olhar pelo sagrado que este Projeto recupera o imaginário comum de uma África antiga ressignificada em Cuba e no Brasil.
Se no Brasil, durante aproximadamente trezentos anos cerca de 4 milhões de africanos chegaram como escravizados, Cuba recebeu legalmente até 1867, cerca de 600 mil.
Em Cuba, mas especificamente em Havana, este Projeto abordou as manifestações culturais e religiosas relacionadas ao Palo Monte, também conhecida como “Regla Conga” ou Brujería Cubana, cuja ancestralidade remete aos escravos provenientes da zona hoje conhecida como Baixo Congo.
Já no Brasil, o enfoque dado foi aos terreiros situados em quilombos, localizados na Baixada Ocidental do Maranhão, nas cidades de Codó e Guimarães. Neste caso, as religiões estudadas foram Pajés de Negro, Terecô e Tambor de Mina.
Como um fotógrafo pesquisador, me identifico com temas relacionados com as religiões de matriz africanas, embora não seja iniciado. A maioria dos meus trabalhos concluídos e em andamento sempre estão relacionados com ancestralidade.




Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Projeto1.
Atualmente estou editando um projeto sobre a viagem que fiz ao Benim, África Ocidental. Este trabalho é baseado nas pesquisas do fotógrafo e antropólogo francês Pierre Verger e de Sergio Ferretti, antropólogo e museólogo carioca/maranhense. Eles afirmam que a ex-Rainha do Daomé, Nã Agotimé, teria sido vendida como escravizada ao Brasil, e seria a fundadora da Casa das Minas de São Luís do Maranhão (Querebentã de Zomadônu), em meados do século XIX. O Terreiro de Tambor de Mina mais antigo do Brasil.
Para saber mais dessa história, e trilhando o caminho inverso ao de Nã Agotimé, fui ao Benin, na parte Ocidental da África, acompanhado do antropólogo beninense Hippolyte Brice Sogbossi, Professor Doutor em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe. Ali visitamos as cidades de Cotonou, Abomey, Allada, Ouidah, Calavi e Porto Novo, onde entrevistamos e registramos sacerdotes, rituais e espaços sagrados. O objetivo da viagem seria constatar de que forma os rituais voduns, a indumentária, os batuques dos tambores e os cânticos em fon, ainda guardam semelhanças entre a origem no Benim e o destino em São Luís do Maranhão, desta manifestação religiosa de culto a voduns.
Projeto2.
Estou há mais de 4 anos num trabalho de imersão na Casa Fanti-Ashanti, um dos terreiros mais tradicionais do Tambor de Mina do Maranhão, com 71 anos de fundação. O objetivo é a edição de um livro mostrando todo o calendário ritualístico da Casa.
Projeto3.
Já em andamento também um livro de fotografias inspirado no romance “Noite sobre Alcântara”, do escritor maranhense Josué Montelo. A história se passa na cidade de Alcântara, no Maranhão, um importante centro da aristocracia maranhense no tempo do Império. O livro conta a história da decadência de Alcântara, que se tornou uma cidade quase morta após a abolição da escravatura, a mudança de economia e a proclamação da República.
O narrador do livro reconstrói a obra pela memória, transformando-a em imagens, arte e literatura.
Em 2016 fiz um trabalho semelhante, desta vez inspirado no Poema Sujo, obra-prima do Poeta Maranhense Ferreira Gullar. Trabalho vencedor do Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia.


