Aos 70 anos, a mineira radicada em Niterói Vania Marques prova que a paixão pela fotografia pode florescer em qualquer fase da vida. Com uma trajetória profissional dedicada à sustentabilidade e responsabilidade social, ela descobriu na imagem uma nova forma de engagement com o mundo. O que começou como um hobby para registrar o crescimento dos netos transformou-se, durante a pandemia, em uma linguagem de expressão pessoal e documentação sensível da realidade.
A imagem “Pandemia – a volta pra casa“, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, representa um momento decisivo em sua trajetória fotográfica. Capturada em dezembro de 2020 na praia de Niterói, a fotografia documenta um homem puxando sua mercadoria não vendida ao final do dia, durante o crepúsculo. Mais do que um registro do impacto econômico da pandemia, a imagem sintetiza a tristeza coletiva daquele período através da figura solitária e cabisbaixa. Este instante específico fez Vania compreender o poder da fotografia como instrumento de expressão emocional e a levou a tomar a decisão de abandonar sua carreira anterior para dedicar-se integralmente à imagem.
Conheça mais sobre esta transformação pessoal e os projetos atuais da fotógrafa na entrevista que segue.

As flores vendidas por um dos comerciantes do lugar trazem uma beleza inesperada, enquanto mostram o vigor do comércio da favela. – Imagem do Ensaio Rocinha são Muitas… de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

Os becos e vielas da Rocinha surgem se ramificando e se aprofundando num labirinto que parece infinito. – Imagem do Ensaio Rocinha são Muitas… de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

Da Lage se vê o Rio de Janeiro e a própria Rocinha que se derramam no vale evidenciando as contradições que a Cidade não consegue equacionar. – Imagem do Ensaio Rocinha são Muitas… de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 70 anos, sou mineira, mas há mais de 20 anos vivo em Niterói (RJ).
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Comecei a fotografar por hobby há uns dez anos, com o nascimento dos meus netos, usando um Iphone. Até 2022 meu tema principal era minha neta, mas também fotografava a natureza, viagens, as ruas, as pessoas. No início de 2023, fiz dois meses de período sabático, viajando pela Costa Rica, Panamá e Cuba, quando ampliei meu olhar para o cenário natural, histórico e social que encontrei. Como trabalhava com sustentabilidade e responsabilidade social, a fotografia era também uma forma de retratar a beleza do planeta, os impactos causados pelo homem e os desafios da vida em sociedade. Hoje a fotografia compõe um dos três eixos principais da minha vida, junto com a vida familiar e o trabalho voluntário nas periferias urbanas.

A frase, tão icônica que virou nome de um drink conhecido em todo o mundo, reafirma o orgulho de ser cubano e traz consigo um desejo de liberdade. – Imagem do Ensaio Viva Cuba Libre! de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

A força de um povo também se sustenta em manter seus valores e princípios. – Imagem do Ensaio Viva Cuba Libre! de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

Na casa onde viveu Che Guevara, incontáveis registros de pessoas do mundo inteiro evidenciam como sua figura é cultuada e uma mensagem em destaque tangencia a sabedoria da alteridade. – Imagem do Ensaio Viva Cuba Libre! de Vania Marques, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Durante a pandemia da Covid19, registrar o dia a dia dentro de casa e algumas poucas paisagens passou a ser uma forma de aliviar a dor daqueles dias. Estava morando próximo da praia e costumava caminhar um pouco pela areia diariamente.
Era dezembro de 2020. Um dia, apreciando o entardecer, presenciei a passagem desse homem puxando sua mercadoria, que não havia conseguido vender. Ia cabisbaixo e sua tristeza era perceptível, apesar da contraluz. Me identifiquei de imediato, peguei meu celular e registrei o momento, tão representativo daqueles tempos.
Pela primeira vez, compreendi que a fotografia poderia ser uma forma de expressar meus sentimentos, enquanto registrava a realidade que me circundava. Percebi que poderia fazer disso o projeto pessoal dos meus sonhos para preencher os próximos anos que me caberia viver. Decidi, então, abandonar as atividades de consultoria e docência em sustentabilidade e abraçar de vez a fotografia, estudando e praticando cada vez mais.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Tenho trabalhado com fotografia urbana, de paisagens e natureza, principalmente em Niterói, Rio de Janeiro e cidades próximas. Estou realizando um projeto de longo prazo, que une a literatura de Guimarães Rosa, as regiões e paisagens onde suas obras são ambientadas e minha ancestralidade, pois minha família é originária da região. Em julho passado, estive em Cordisburgo (MG) para fazer pesquisas para o projeto e obter os primeiros registros fotográficos.
Outro trabalho, este em fase de planejamento, é o registro dos impactos das mudanças climáticas em cidades litorâneas do Estado do Rio de Janeiro, incluindo Niterói.
Desejo atuar também na disseminação da fotografia entre a população das periferias e na produção de fotografia FineArt.