Rafael Trindade foi fisgado pela fotografia quando fazia faculdade de jornalismo, no início dos anos 2000. Inicialmente fotografando com película preto e branco, passou à fotografia colorida quando começou a fotografar com câmera digital, inspirado em grande medida por fotógrafos da mítica agência Magnum. Ele se sente atraído pela fotografia de rua, que surge espontaneamente, sem qualquer tipo de interferência, e pela busca de contrastes cromáticos nesse universo.
Em 2015, Rafael Trindade passou 15 dias na Venezuela, dois anos após a morte de Hugo Chavez. Fotografando na região da Península de Paraguaná, principal ponto de refino de petróleo do país, ele registrou o início de uma crise que culminaria no êxodo de centenas de milhares de venezuelanos. Parte das imagens gerou o Ensaio Península, finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023.
Conheça mais detalhes sobre esse trabalho e sobre a atuação de Rafael Trindade como fotógrafo.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Eu tenho 38 anos. Sou natural de Passo Fundo/RS, mas atualmente moro em São Paulo, onde trabalho.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Em 2003, quando entrei na faculdade de jornalismo, tive meu primeiro contato com uma câmera fotográfica profissional cem por cento manual, era uma Nikon FM2A. De alguma forma que não sei explicar muito bem, aquele objeto me fisgou e me senti muito confortável com a câmera na mão. Aprendi rapidamente os conceitos básicos de exposição e comecei a fotografar em preto e branco. O laboratório de revelação e ampliação da universidade virou minha segunda casa e todo meu tempo livre eu gastava lá.
O meu vínculo com o jornalismo e a fotografia me levou inicialmente a conhecer o trabalho dos grandes fotojornalistas, fotógrafos de áreas de conflito e, também, a fotografia de rua. O site da Magnum Photos virou meu “livro de cabeceira”. A fotografia a cores entrou na minha vida no mundo digital e me fisgou. Pensar no contraste cromático é um desafio que adoro.
A fotografia é a forma que encontrei de me expressar, de me conectar com o mundo e me fazer ver/ouvir. A maior parte de minhas fotos se encaixam na fotografia de rua, onde não há intervenções minhas. Eu gosto de estar na rua e me deixar guiar pelo imprevisto.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Em janeiro de 2015 passei 15 dias na Venezuela. Hugo Chávez havia morrido quase 2 anos antes e, sob o comando de Nicolás Maduro, a crise econômica começava a dar seus sinais. Naquele então, o combustível ainda era vendido a preços muito baixos: com 1 ou 2 dólares era possível encher o tanque de qualquer carro. Passei a maior parte do tempo em Punto Fijo, que fica na Península de Paraguaná, no estado de Falcón. Lá, duas grandes refinarias compõem o maior complexo refinador de petróleo da América e o segundo maior do mundo.
A minha produção fotográfica se baseia na busca espontânea e, desta forma, vou encontrando cenas e situações que me interessam e que começam a ganhar um significado. Nesse ensaio optei por deixar o ser humano fora do quadro, ressaltando a ideia de abandono que se alastrava na península.
Nas fotografias que compõem o ensaio, busquei mostrar a ruína que, aos poucos e mais ou menos silenciosa, já começava a tomar conta do país. Na península inteira, me deparei com obras inacabadas, casas abandonadas, fábricas inativas, carros parados à espera de reparo. O ápice da crise viria dois anos mais tarde e resultaria na diáspora de mais de 7 milhões de pessoas, mas, naquele momento, as ruínas já estavam ali, se reproduzindo, como um prenúncio, à espreita.
Mesmo tendo a maior reserva de petróleo do mundo, Venezuela é hoje um dos países mais pobres da América Latina. Nos últimos anos, o colapso econômico se intensificou e as ruínas que eu fotografei deixaram de ser uma ameaça para ser uma realidade crua.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Desde 2019 estou realizando um projeto que foca no centro de São Paulo. É um projeto longo, que não tem prazo para acabar e com certeza será alimentado ao longo de toda minha vida.
Além disso, estou em processo de pesquisa para um projeto que será realizado no sertão nordestino. Inspirado pelos filmes do Cinema Novo, especialmente “Deus e o diabo na terra do sol” e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, ambos de Glauber Rocha, quero compor uma espécie de radiografia do sertão contemporâneo.