A obra se apresenta como uma arqueologia visual do presente: um pássaro morto, emaranhado em fios de cobre de circuitos eletrônicos. Seu corpo, suspenso entre o natural e o fabricado, torna-se um símbolo híbrido, reflexo de um planeta ecologicamente exaurido e tecnologicamente saturado. Entre o orgânico e o artificial, o corpo do animal deixa de ser apenas natureza morta para tornar-se objeto-sintoma, testemunho de um presente em desintegração.
Inspirada por Donna Haraway e suas criaturas compostas — seres que atravessam as fronteiras entre humano, animal e máquina — a obra questiona a ideia de pureza. O pássaro que habita a cena não é apenas vítima, mas vestígio e presságio — atravessado por resíduos de passado e lampejos de futuro. Fundido a resíduos eletrônicos, ele aponta para uma realidade em que vida, máquina, matéria e memória estão profundamente entrelaçadas, em composições instáveis, como esta.
Ao tentar reparar um voo que já não acontece, a obra inscreve um gesto de cuidado tardio — um ato que reconhece a perda, mas se recusa a ignorá-la. Nesse movimento, convida o espectador a encarar os vestígios do que descartamos: tecnologias, espécies, afetos. Entre o luto e a tentativa de recomposição, emerge uma espécie de “estética da decomposição” — uma forma de reconstruir sentido a partir do que sobrevive, e seguir entre ruínas.