Aos 78 anos, Maria Eugenia Nabuco constrói uma trajetória fotográfica que entrelaça a sensibilidade poética com a urgência política. Psicanalista e fotógrafa, divide seu tempo entre o Rio de Janeiro e Paris, desenvolvendo uma obra onde o corpo humano emerge como campo de batalha e resistência frente às violências do contemporâneo. Sua prática, iniciada como registro informal de viagens e afetos, transformou-se em uma investigação estética profundamente engajada, onde a imagem opera como instrumento de questionamento social e elaboração psíquica.
Sua imagem “Licença para matar“, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um golpe de lucidez visual sobre a brutalidade institucionalizada. Parte de uma série homônima de 2019, o trabalho nasce da indignação frente ao extermínio de jovens negros nas comunidades cariocas, articulando a Rocinha – maior favela da América Latina – e o multiartista Retinto Fercar, da Maré, em uma narrativa experimental que expõe a dessensibilização da vida nas periferias. Mais do que denúncia, a obra mergulha nas entranhas de um corpo social marcado pela exclusão, onde a morte physiological e social se entrelaçam sob a lógica do poder. Com uma linguagem que tensiona o poético e o político, Nabuco convida o espectador a confrontar a crueldade endereçada e a banalização do humano em territórios silenciados pelo Estado.
Explore mais sobre esta obra visceral e os projetos que desafiam a gramática da imagem na entrevista que segue.



Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Estou com 78 anos e atualmente vivo e trabalho no Rio de Janeiro desde 2018. Estou me organizando para voltar a trabalhar em Paris, em 2026.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Inicialmente eu fotografava familiares, amigos e viagens pelos países que ia conhecendo, sem um engajamento estético formal estruturado no campo das artes visuais. Foi aos poucos, desenvolvendo pesquisa e estudo sobre estética e linguagem na narrativa fotográfica, que no final dos anos 90 comecei a desenvolver um trabalho experimental imagético que tem ressoado numa visão poética do humano e da cultura.
Meu trabalho é sempre marcado pela presença do corpo e da sua apropriação no encontro com as estranhezas do real. Uma conversa inevitável com a minha prática como psicanalista. Tento sempre manter essa necessária desenvoltura entre o campo da experimentação estética e as circunstâncias da vida.



Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Meu trabalho finalista faz parte de uma série de 2019, intitulada Licença para Matar. Nasceu da minha inquietude ao me deparar com o índice de morte de jovens pretos, em decorrência de ações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro. Esse trabalho retrata a comunidade da Rocinha, a maior da América Latina, e o jovem ‘Retinto Fercar’, multiartista da comunidade da Maré, é quem posa. É uma narrativa experimental do corpo social carioca, depositário das vidas que não importam, onde a crueldade tem densidade negra e endereço. Aqui, as entranhas da Rocinha desnudam a submissão da vida ao poder da morte.
O horror, a banalização do humano se instauram em territórios e promessas políticas linguageiras nessas comunidades. Tentei apreender nesse trabalho a inevitabilidade da morte social e da morte fisiológica decorrente da exclusão social nesse mundo discordante de desordem política no qual vivemos. O contemporâneo, ao atravessar a linguagem dos sentidos, é fonte comum de angústia inevitável, de um luto quase impossível de ser feito, onde corpos e mais corpos do caos social inundam nosso cotidiano.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Tomada por uma inquietude pulsante, meu trabalho continua a se apropriar da trama orgânica corpórea da imagem, no estudo do ‘corpo da imagem’ e da sua construção poética e gramatológica. Estou produzindo atualmente o meu terceiro fotolivro Pulsações, em parceria com a Piscina Pública, que se ocupará de sua edição.