O fotógrafo Matheus Bonafé constrói uma obra que habita o limiar entre o visível e o invisível, entre a presença e a ausência. Dividindo sua rotina entre São Paulo e cidades do interior paulista, ele desenvolve uma prática fotográfica que nasce da observação atenta do cotidiano, transformando a câmera em instrumento de resistência contra a cultura da transparência e da performance visual contínua. Com trajetória iniciada aos 12 anos de forma lúdica, Bonafé encontrou na fotografia não apenas uma profissão, mas sua principal forma de assimilar o mundo, interessando-se por imagens que preservam silêncios e opacidades em vez de revelar tudo.
Sua imagem “Saída da Missa, Pirenópolis“, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um exemplo eloquente dessa busca por significados não óbvios. Capturada em 2019 na cidade histórica goiana, a fotografia surgiu de seu exercício contínuo de fotografia de rua, mas revela-se hoje como uma antecipação de temas que se tornariam centrais em sua pesquisa. A força da imagem reside precisamente no que não mostra: os chapéus que dominam a composição funcionam como signos fotográficos que produzem anonimato e arquétipo simultaneamente, transformando figuras concretas em “homens genéricos” que ecoam toda uma história imagética. Mais do que documentar um momento, a fotografia levanta perguntas sobre permanência e efemeridade, tensionando o instante fotográfico entre o específico e o universal, entre o histórico e o impermanente.
Conheça mais sobre esta investigação visual e os projetos que dividem sua produção entre o conceitual e o documental na entrevista que segue.

Matheus Bonafé, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

Matheus Bonafé, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 32 anos. Divido minha rotina entre São Paulo e algumas cidades do interior do estado.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Comecei a fotografar aos 12 anos, de forma lúdica. Sempre tive curiosidade por diferentes maneiras de criar imagens, mas foi na fotografia que encontrei resultados que me satisfizeram. Com o tempo, essa prática deixou de ser apenas um passatempo e se tornou minha profissão e a minha principal forma de assimilar o mundo.
Como fotógrafo autoral, minhas imagens nascem da observação direta do cotidiano, buscando tensionar o instante fotográfico entre presença e ausência. Interesso-me por fotografias que não revelam tudo, que preservam silêncios e opacidades, como um contraponto à cultura da transparência e da performance visual contínua.

Matheus Bonafé, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025

Matheus Bonafé, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
A fotografia foi feita em 2019, na cidade de Pirenópolis, Goiás. Ela surgiu como parte do meu exercício contínuo de fotografia de rua: registrar aquilo que chama minha atenção e que, de algum modo, me parece digno de permanecer. Tenho um interesse recorrente por pequenas cidades, áreas rurais e locais históricos. Ainda que eles não sejam exatamente o tema do meu trabalho, costumam ser o cenário onde as imagens acontecem.
Hoje, ao revisitar essa foto, percebo que ela já antecipava alguns dos temas que se tornaram mais presentes na minha pesquisa atual. É uma imagem que, acima de tudo, não responde: ela levanta perguntas. Acredito que sua força está na composição e na sugestão de algo que não se mostra. O que vemos, são os chapéus. Eles me interessam, não como objeto em si, mas como signo recorrente na história da fotografia. Ele produz anonimato e arquétipo ao mesmo tempo. Transforma qualquer figura num “homem genérico”, quase um personagem repetido no tempo. Dessa forma, ela carrega um eco de toda uma história imagética ao mesmo tempo que traz algo de impermanente e efêmero através da composição suspensa no momento do click.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Fotografar na rua é um hábito que mantenho independentemente de ter um projeto em andamento. Muitas vezes, os trabalhos surgem a partir de imagens feitas sem intenção prévia.
Divido minha produção em duas frentes: conceitual e documental.
No campo conceitual, estou desenvolvendo o projeto “Véu Cego”, que investiga o colapso da experiência visual na era da hiperexposição, explorando a tensão entre opacidade e compulsão por revelar.
No campo documental, estou produzindo um trabalho sobre a vida rural na Várzea do Paraíba, em Tremembé (SP), território que desaparece aos poucos sob pressão imobiliária e industrial.

Matheus Bonafé, selecionado no Prêmio Portfólio FotoDoc 2025