Fotojornalista e procurador em Porto Alegre, Rafael Rosa traduz o mundo através da linguagem fotográfica. Sua trajetória, que mescla o rigor técnico com uma sensibilidade apurada, encontrou no fotojornalismo seu principal campo de atuação, seja registrando a força humana em tragédias climáticas, seja capturando a poesia e a emoção do universo esportivo.
A imagem “Gravidade em Suspensão“, finalista da categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é a materialização desse olhar. Clique feito durante a final do STU PRO Tour de skate em Porto Alegre, a fotografia congela o ápice de uma manobra aérea do campeão Gui Khury. Mais do que um registro de acaso, a imagem é fruto de uma antecipação cuidadosa, onde o fotógrafo buscou capturar a leveza que desafia a gravidade e a rigidez do concreto, simbolizando a liberdade e a potência narrativa do skate. A técnica precisa se une à emoção do instante decisivo, eternizando um gesto efêmero de pura poesia atlética.
Conheça mais sobre a trajetória e os projetos de Rafael Rosa na entrevista a seguir.


Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Me chamo Rafael Figueiredo Rosa, tenho 43 anos, sou Procurador da Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre e fotojornalista, atualmente como colaborador da Agência Enquadrar, tendo por base de atuação Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Também faço parte do Fotoclube Porto-Alegrense, importante instituição que congrega tanto profissionais quanto amantes da fotografia para fomentar o amor por esta arte, além de abrir espaço para difundir conhecimentos e para uma valiosa troca de experiências.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
A fotografia está presente na minha vida desde minha infância, sempre foi uma área que me despertou interesse, gostava de brincar com a câmera fotográfica de meu pais, ainda na época dos filmes fotográficos, da revelação, dos álbuns de fotografias. Deste tempo não tenho lembranças sobre modelos de câmeras, tipos de lentes e de filmes, mas preservei dentro de mim o mais importante, o essencial, que foi o incentivo para a utilização da câmera, a importância de poder registrar memórias, mesmo que de forma totalmente amadora, pois eram uma forma única de contar e preservar nossas próprias histórias.
No início dos anos 2000 tive meu primeiro contato com a fotografia digital e logo fiz a migração do filme para os mini-CDs, que mais tarde foram substituídos pela minha primeira Fuji, uma super-zoom que me ofereceu, pela primeira vez, o controle pleno da criação da imagem. Foi como abrir uma porta para novas possibilidades e compreender a fotografia não apenas como registro, mas como linguagem.
Em 2017 comecei a me aperfeiçoar na linguagem e nas técnicas de fotografia, iniciando minha formação na área de fotografia juntamente à Escola de Fotografia Câmera Viajante, em Porto Alegre. Neste mesmo ano migrei para o sistema mirrorless, também na linha Fuji, sistema que utilizo profissionalmente ainda hoje.
Passar por estas transições tecnológicas e buscar aperfeiçoamentos técnicos em sala de aula me ensinaram a valorizar tanto a potência estética do instante quanto a força narrativa de cada cena.
Como resultado desta evolução, em 2019 fui um dos finalistas do Prêmio Sioma Breitmann de Fotografia, organizado pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, participando de minha primeira exposição coletiva, o que me incentivou a ampliar meus horizontes e me levou à realizar o Curso de Fotógrafo Profissional da Escola Câmera Viajante, onde eu pude ter um maior contato com áreas diversas da fotografia – e o fotojornalismo, que tanto me atraía, definitivamente despertou meu interesse, tanto que desde então busco desenvolver trabalhos e aperfeiçoar meus conhecimentos técnicos com especial foco nesta disciplina da fotografia.
O fato de me associar ao Fotoclube Porto-Alegrense, em 2019, foi um grande divisor de águas – o contato frequente e pessoal com outros fotógrafos, profissionais e amadores, serviu como uma rica fonte de conhecimento e de troca de experiências – e também me levou à participar de diversos concursos de fotografia, conquistando algumas distinções internacionais (Bronze na China, em 2022, e Prata na Bulgária, em 2023).
Mais recentemente, participei da cobertura dos eventos climáticos que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, com foco especial nos abrigos e no trabalho de acolhimento das Cozinhas Solidárias do MTST. Esses trabalhos circularam em veículos nacionais e internacionais e ocuparam espaços simbólicos de Porto Alegre atingidos pelas enchentes de 1941 e 2024, como o Mercado Público e, mais recentemente, a Praça da Alfândega, como parte do Projeto Memorial das Águas.
Assim, posso afirmar que a fotografia, em especial o fotojornalismo, é a linguagem através da qual traduzo o mundo: ora captando a intensidade de uma manobra ou lance decisivo no esporte, ora revelando o impacto e os sentimentos humanos das tragédias. É, para mim, memória e resistência, técnica e sensibilidade, espelho e poesia — um valioso instrumento para compreender e compartilhar o espírito do nosso tempo.


Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Meu trabalho, intitulado “Gravidade em Suspensão”, foi realizado em 23 de março de 2025, durante a final da categoria Skate Park do STU PRO Tour Porto Alegre, a primeira etapa da história deste novo circuito internacional da modalidade. A imagem é fruto do olhar que venho desenvolvendo nas pistas ao longo dos anos, sempre atentando aos pontos em que os atletas buscam o ápice de suas manobras e posicionando-me de forma estratégica para estar pronto quando o instante decisivo se apresenta.
Mais do que um registro casual ou fruto do mero acaso, essa fotografia já existia em minha mente antes mesmo do disparo: eu sabia que daquele ponto poderia surgir uma manobra aérea de elevado grau técnico, capaz de condensar a essência do skate. Não sabia quem seria o atleta ou em qual momento da competição ocorreria, mas tinha plena consciência de que ali estava a chance de capturar o o atleta pairando sobre o concreto com a leveza de quem desafia a rigidez da cidade, em um gesto que beira o voo. A imagem captura não apenas o corpo suspenso, mas a potência simbólica de um esporte nascido das ruas: liberdade, resistência e criação em pleno ar. E é no calor da competição que o instante se eterniza, exatamente no ponto onde terminam as rampas é que começam os sonhos – e o protagonista da manobra, Gui Khury, foi o campeão da etapa e, se a memoria não me trai, atingiu sua maior nota justamente na volta em que a imagem foi registrada.
Esse trabalho traduz exatamente o que busco em minha produção fotográfica, seja nas pistas, nos gramados ou mesmo quando capturando os fatos do cotidiano: o encontro entre técnica e emoção, a captura do instante em que o esporte ou a vida revelam sua poesia e os gestos se transformam em narrativas – é nesse instante, em que o tempo parece se curvar às manobras da vida, que o efêmero pode se tornar eterno.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente, tenho desenvolvido um projeto pessoal ligado ao universo do skate, com foco especial nos atletas do para-skate, cuja força e superação me inspiram a buscar imagens que traduzam não apenas a técnica, mas também a resiliência e a poesia desse esporte. Em paralelo, iniciei uma série que investiga o impacto dos celulares e das redes sociais na forma como o público vivencia shows e espetáculos, refletindo sobre como a mediação da tela transforma — e às vezes limita — a experiência coletiva.
Para os próximos anos, meu desejo é expandir esse olhar para além das pistas e arenas locais. Caso tenha a oportunidade de estar presente nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, em 2027, ou nas Paralimpíadas de Los Angeles, em 2028, pretendo desenvolver um trabalho mais amplo sobre o esporte paraolímpico, que oferece imagens de intensidade singular. Mesmo que o para-skate ainda não faça parte do programa oficial desses eventos, acredito que o espírito de superação presente em todas as modalidades é uma fonte inesgotável de narrativas visuais, onde técnica, emoção e humanidade se encontram em sua forma mais pura.