No litoral Sul da Bahia, todo dia é dia de pesca, exceto nos dias de maré de lua. Pois no mar, é ela, a lua quem dita os ritmos da vida. É sob o comando da sua fase mais cheia ou da sua fase nova que as marés recuam aos níveis mais baixos, revelando os recifes que se escondem sob a água — territórios temporários para a espécie humana, onde se desenrola um ritual ancestral de subsistência. Nesses dias, famílias inteiras seguem em direção ao mar. Enquanto as mulheres coletam ouriços, os homens partem em busca de polvos.
Com os “bicheiros” em punho — varas de ferro gastas pelo tempo e uso — os caçadores caminham sobre os corais, atentos aos sinais. É uma arte que combina técnica, paciência e profundo conhecimento sobre o comportamento animal. Eles investigam cada sinal deixado. E é aí que começa o embate: o animal, dotado de inteligência notável, se deixa ser iludido pela astúcia humana. Curiosos, enlaçam seus tentáculos na haste. Uma dança se inicia.
Essa luta silenciosa entre homem e molusco é marcada por destreza e respeito. Não há pressa. Não há predador e presa em termos absolutos — há, sim, um acordo tácito entre a necessidade e o limite. Nem sempre o caçador vence. A fuga do polvo também é parte do jogo.
Este ensaio busca revelar não só o ato da caça, mas a coreografia íntima entre humanos e natureza. Trata-se de uma prática enraizada na cultura local, transmitida entre gerações, e marcada por um equilíbrio delicado. A coleta acontece apenas nas luas adequadas, com intervalos que garantem a regeneração das espécies.
Esteticamente, o trabalho mergulha entre a plena luz do sol nordestino e os raios submersos que banham as cenas com um contraste entre silêncio e tensão, entre paciência e movimento. Cada imagem propõe um olhar cuidadoso sobre os gestos, os corpos, os territórios. Tecnicamente, explora o limite entre o visível e o intuído, o gesto humano e a resposta animal.
Esse ensaio é, sobretudo, um convite a observar o tempo das coisas e os códigos não escritos que regem uma convivência possível — onde a tradição, o sustento e o respeito ao ciclo natural ainda caminham lado a lado.
