“Existem duas maneiras de espalhar luz: ser a vela ou o espelho que a reflete”, Edith Wharton. Para a maioria das mulheres, ser vela é um modo de vida. Elas são acalanto e cuidam dos filhos, da casa, do parceiro, dos amigos, dos pais, sempre em silêncio, como um modo de estar neste planeta. Isso não está escrito; não é ensinado nas escolas, mas está presente na vida das mulheres. Nos foi assinada a função de cuidar e sabemos fazer isso muito bem.
O poder do amor e do cuidado que as mulheres espalham tem como fonte o fogo dos seus próprios corações, e como consequência a construção de relacionamentos onde a empatia, leva a refletir sobre o sentir no corpo do outro.
Elas são velas e também espelhos onde os outros podem ver — se prestarem atenção, é claro — o que estão fazendo, como estão agindo e como isso impacta no outro ser humano. Esse é o ponto de partida deste projeto que começou com uma pesquisa para montar os cenários de uma peça de teatro escrita pela atriz e dramaturga brasileira Aline de Castro, que tem como personagens principais duas mulheres que se conhecem na cela de uma cadeia. Uma delas é branca, a outra é negra, e ambas cometeram um crime por causa de um homem. Ao longo de “Amanhã Vai Ser Outro Dia”, mergulhamos em suas histórias para entender como as mulheres sobrevivem neste mundo complexo e ouvir atentamente o que a música de Chico Buarque tem a nos dizer em meio à violência que os corpos femininos sofrem.
“Carolina” foi a música escolhida para este projeto fotográfico, no qual eu queria mostrar o reflexo dos corpos das mulheres enquanto falávamos sobre o que as estava machucando. Foi um processo catártico e fotográfico que permitiu liberar, em via dupla, nossos sentimentos e capturar a forma como isso se refletia no espelho e na minha lente.
“Refletindo em Nós” é um registro documental que não apenas reflete o mundo real das mulheres, mas também visa construir um espaço onde as mulheres sejam vistas, ouvidas e respeitadas. Esse é o nosso direito. Depois de anos e anos de homens contando a nossa história, chegou a nossa hora de mudar a narrativa.
Carolina de Chico Buarque
Carolina
Nos seus olhos fundos
Guarda tanta dor
A dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei que não vai dar Seu pranto não vai nada ajudar
(2) Eu já convidei para dançar
É hora, já sei, de aproveitar
(4) Lá fora, amor
Uma rosa nasceu
Todo mundo sambou
Uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela, ói que lindo
Mas Carolina não viu
Carolina
(1) Nos seus olhos tristes
Guarda tanto amor
O amor que já não existe
(3) Eu bem que avisei, vai acabar De tudo lhe dei para aceitar
(5) Mil versos cantei pra lhe agradar Agora não sei como explicar
Lá fora, amor
Uma rosa morreu
Uma festa acabou
Nosso barco partiu
(6) Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu
(7) Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu

“Eu já convidei para dançar É hora, já sei, de aproveitar”
Que lugar do corpo você acha escondido? que não presta atenção? Foi a pergunta que detonou a procura pelos lugares pouco vistos do corpo. Patricia lembra da posição de inicial, a memória corporal floresce enquanto o espelho reflete o corpo que, longe dos padrões da bailarina, dança e dança muito bem.

“Eu bem que avisei, vai acabar De tudo lhe dei para aceitar”
Um espelho não foi suficiente para conter a paz que Milagros sentia enquanto esticava o corpo que resiste, muda e implora por mais e mais movimento. É hora de esperar, de aprender a respirar para seguir, continuar. É o jeito que ela aprendeu a aceitar e transmutar a dor do adeus, até nunca mais.

“Lá fora, amor Uma rosa nasceu”
Refletindo sobre uma das partes mais poderosas do corpo — aquela que gera a vida. A barriga de Bethânia já conheceu esse privilégio, mas também a subjugação de ser mãe solo. Sua bondade e fúria também residem ali, onde eu me concentrei.

“Mil versos cantei pra lhe agradar Agora não sei como explicar”
Quando não temos palavras, tentamos explicar com o nosso corpo. A nossa revolução vem com cores, maquiagem, bolsas e cabelos. Emi tem na cabeça uma forma de se expressar, um orí para estar neste mundo.

“Eu bem que mostrei a ela O tempo passou na janela”
O tempo passa e nossa imagem perde o protagonismo. O tempo mostra às mulheres uma série de momentos sombrios na vida. Mudanças em nosso corpo são apontadas, ridicularizadas. As mulheres, claro, se sentem envergonhadas, desejam ser invisibles. Às vezes, não querem ser vistas, às vezes não querem aparecer. Mas Bethânia quer.

“Eu bem que mostrei a ela O tempo passou na janela”
Algumas partes sensíveis do nosso corpo têm não apenas o poder de nos fazer sentir desejadas, mas também de sentir (sem ver) o que está acontecendo. É difícil explicar — é um modo de ser cotidiano. Olhos, palavras, energia podem transparecer pelos portais do nosso corpo e Milagros desenhou a chave em sua pele.