Ensaio fotográfico documental
Este ensaio é parte de uma expedição fotográfica em curso pelo rio São Francisco, iniciada em outubro de 2022. O projeto — ainda em andamento — busca documentar, de forma sensível e comprometida, os múltiplos territórios simbólicos que margeiam o Velho Chico: o rito, a fé, a festa e a vida cotidiana que se entrelaçam às suas águas.
As imagens reunidas aqui não pretendem capturar o exótico, mas revelar o essencial — aquilo que, no gesto simples e repetido, se torna sagrado. Fé encarnada em barro, suor, pólvora e silêncio. Ritos vividos no corpo, na terra e no tempo. Rezas que ecoam em procissões, em altares improvisados, no galope do vaqueiro, nas bandeirolas molhadas após a festa — e até mesmo nas ruas cobertas de promessas políticas jogadas ao chão.
Entre celebrações como festas juninas, romarias e a Missa do Vaqueiro, emerge também o contraste: o rito cívico transformado em descarte, o sagrado renegado no asfalto, como um eco de um país que reza, mas também se cansa. O ensaio se encerra com uma imagem de ruptura — um santo quebrado, um quadro tombado, uma pergunta silenciosa: o que fazemos com o que um dia foi sagrado?
“Rio, Ritos e Rezas” não é um ponto de chegada, mas um corte — um trecho visível, por vezes desconcertante, de uma travessia em aberto.

O vaqueiro se curva em silêncio. A mão repousa sobre o peito como se segurasse o coração. É o instante em que o rito se interioriza — fé antes da fúria, bênção antes do embate.

Santa com terços e pulseiras à beira do rio
À margem do São Francisco, uma pequena santa repousa sobre a pedra. Carrega terços, pulseiras e intenções como uma embarcação de fé estacionada na beira da travessia. Silenciosa, acolhe promessas feitas fora das igrejas — no altar natural das águas.

Bacamarteiro em ação. O estampido corta o ar. Pólvora, gesto e memória se encontram no disparo do bacamarte — um rito ancestral que mistura festa, força e identidade. O corpo também reza quando explode.

Procissão com imagem de Jesus nas ruas.
Entre fios, paredes gastas e rostos marcados, a fé caminha. O peso do andor é dividido entre mãos simples, que sabem transformar esforço em oração e o passo em liturgia popular.

Bandeirolas refletidas na poça após a festa junina
As cores do céu escorrem pelo chão. Depois da festa, o silêncio e a poça. Rito suspenso entre dois mundos: o da euforia que passou e o da lembrança que fica como espelho d’água.

O asfalto amanhece coberto de rostos e números. Um altar de promessas rasgadas pela pressa. A fé cívica, tão frágil, jaz no chão como folhas secas — sujas, ignoradas, esquecidas.

Santo quebrado ao lado de quadro jogado e quebrado.
O sagrado tombado. Um santo estilhaçado entre madeiras, tinta e descuido. Não há gritos nem lamento — apenas a presença muda de algo que já foi reverenciado e agora jaz, como pergunta.