Os extremos climáticos no Vale do Juruá redesenham a paisagem e transformam a vida de suas comunidades. Entre a seca severa e as alagações devastadoras, a cidade de Cruzeiro do Sul se vê envolta em uma névoa densa de fumaça, resultado das queimadas que avançam sobre a floresta. Neste ciclo perverso, o rio que transborda em março é o mesmo que desaparece em julho, deixando barcos encalhados no barro rachado ou nos balceiros que ocupam o lugar da água que por ali livremente corri. O ar seco pesa nos pulmões, enquanto os incêndios, alimentados pelo descaso e pelo avanço da destruição ambiental, tingem o céu de fumaça e um tom cinza, apagando o azul das memórias da nossa infância.
Este portfólio é um testemunho visual dessas transformações brutais e da urgência da crise climática, que não é mais uma ameaça distante, mas uma realidade cotidiana. A cada imagem, revelam-se os contrastes de um território que resiste: a cidade invadida pela fumaça ou submersa pela cheia, os rostos de quem sobrevive entre a abundância e a escassez. São registros de um tempo em que a natureza já não segue seus ciclos habituais, e a incerteza se instala no horizonte.
Mas há outra camada nessa invisibilidade que cobre nossa terra: o Acre, constantemente apagado do mapa simbólico do Brasil, também desaparece no debate ambiental. As secas severas e as cheias violentas que atingem Cruzeiro do Sul são sintomas de uma crise climática global, mas que aqui, na Amazônia profunda, parecem se perder no esquecimento nacional. Minha fotografia busca romper esse silêncio. É sobre gritar para que nos vejam, sobre mostrar que enquanto as casas dos cruzeirenses amazônidas são invadidas pelas águas ou pelas fumaças que cobrem o céu no mês de julho, nossa existência não pode mais ser ignorada.
Contudo, a fotografia não apenas documenta a destruição — ela também ilumina caminhos. Ao expor estas paisagens feridas, este trabalho busca provocar reflexões, sensibilizar olhares e reforçar a necessidade de ação. Porque entre a fumaça e a seca, entre o fogo e a água, ainda há resistência. Ainda há vida. E enquanto houver vida, haverá luta por um futuro em que os horizontes possam voltar a ser como já foram um dia.
Na Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá, a seca redesenha a paisagem e desafia os passos. Um homem puxa a canoa, carregando crianças que observam o cenário: um rio que já não tem a imensidão de antes. As viagens, antes fluidas, agora dobram de tempo. Navegar se tornou um ato de resistência.O olhar busca a água que já não está. O leito seco expõe o vazio deixado pelo clima extremo, consequência de um planeta em descompasso. No lugar onde o rio corria sem hesitação, resta a dúvida: ele voltará a ser como antes?Onde antes o rio corria livre e sinuoso, agora ele resiste. No auge do verão amazônico, sua profundidade não ultrapassa 50 cm – um contraste gritante com os quase três metros de antes. O leito se apequena, e navegar nesse Humaitá seco se torna um grande desafio.Com a seca severa, os rios deixam para trás um cenário de balseiros – troncos e galhos acumulados que dificultam a navegação. O que antes era um curso livre de água agora se torna um emaranhado de obstáculos.No silêncio da margem, o menino observa o rio que nunca dorme. Entre o fluxo das águas e o vai e vem das canoas, a infância se molda no olhar atento. Ao fundo, um amigo se ocupa com a rede de pesca, aprendendo desde cedo que o rio ensina e alimenta.O fogo tomou conta das florestas e invadiu os centros urbanos em todo o território acreano. O verde se transformou em cinzas, e a fumaça se tornou protagonista de um céu que outrora era azul.Entre agosto e setembro de 2024, o Acre registrou mais de 750 focos de queimadas. No auge do verão amazônico, em meio a uma seca extrema, a fumaça invadiu as cidades e os lares, afetando profundamente a vida dos amazônidas.Entre agosto e setembro, o Acre esteve encoberto por uma densa camada de fumaça vinda das queimadas no próprio estado e nos vizinhos Amazonas e Rondônia. Segundo a plataforma IQAir, que monitora a qualidade do ar via satélite, a poluição atingiu 205 µg/m³ de material particulado, tornando o Acre um dos estados com pior qualidade do ar no mundo naquele período.Após um verão amazônico intenso, as águas do Juruá transbordam no período de cheia. Com o avanço das mudanças climáticas, esses eventos extremos se tornam cada vez mais frequentes e severos. Em março deste ano, cerca de 1.650 famílias – totalizando 6,6 mil pessoas – foram afetadas pela enchente em 25 bairros e comunidades de Cruzeiro do Sul, Acre.Com a subida das águas, diversas famílias ribeirinhas veem suas casas serem invadidas. Ano após ano, o ciclo se repete. É urgente pensarmos em estratégias para enfrentar as enchentes e proteger quem vive às margens dos rios.As águas de março sempre chegam trazendo impactos profundos para os amazônidas. O avanço da enchente em 2024 levou a prefeitura a decretar situação de emergência já no início do mês, obrigando diversas famílias a buscarem abrigo nos espaços disponíveis no município.Quando o Juruá começa a vazar, ele deixa para trás lama, destroços e a incerteza. O que a enchente levou, nem sempre volta. O rastro de destruição se impõe como uma lembrança de que as águas guardam tanto vida quanto devastação.O rio começa a recuar, e as famílias ribeirinhas retornam para o que restou de seus lares. A travessia de volta carrega o peso da reconstrução. Cada passo dado na água que ainda se faz presente, reflete a necessidade de recomeçar, de erguer paredes, refazer plantações e seguir em frente, mesmo diante de um horizonte de incertezas.Com o fim do período mais crítico das cheias, o rio começa a baixar. Mas para quem vive na Amazônia, os impactos não desaparecem com as águas. A crise climática já não é uma ameaça distante – ela é o presente. As secas se intensificam, as cheias se tornam mais violentas e as queimadas sufocam o ar que respiramos. No Vale do Juruá, esses eventos não são apenas números em um relatório ambiental – são histórias de vida, de luta e de resistência. Diante desse cenário, o enfrentamento das mudanças climáticas exige ação. Se quisermos garantir um futuro para os povos da floresta, precisamos agir agora.
Sou um homem negro, gay, fotógrafo e comunicador socioambiental, nascido em Cruzeiro do Sul, Acre, coração da floresta amazônica. Concentro o meu olhar fotográfico nas amazonidades acreanas e no cotidiano das comunidades tradicionais, nos impactos das mudanças climáticas e na relação que as pessoas possuem com a floresta e seus territórios. Minhas imagens destacam a resistência cultural e as paisagens únicas do Acre, promovendo a fotografia como uma ferramenta de resistência e transformação social.