Uma casa da família, vencida pelo tempo moderno e agressivo, guarda não só lembranças, mas pulsações de um tempo que insiste em não passar. É como se o passado ali ainda estivesse acontecendo, não apenas dentro de nós, mas em alguma dobra do real. Um passado viçoso, vivido com calma, que continua a acontecer em planos não visíveis, que por vezes encostam novamente na superfície do presente. E se esses planos não forem paralelos, mas vivos e ramificados? E se puderem se tocar — como raízes que se enroscam por baixo da terra — alterando o curso do que chamamos de destino?
Nessa visão, o tempo não é uma linha reta, mas uma árvore viva. Cada escolha, cada gesto, continua a crescer em sua própria direção, mesmo fora do nosso alcance. Há galhos que se distanciam como mundos esquecidos, e outros que retornam ao tronco, como se buscassem reatar algo interrompido. Um encontro fortuito, um sonho que estranha, um arrepio de déjà-vu — talvez sejam esses os momentos em que ramos diferentes do tempo se encostam e provocam uma faísca, uma nova percepção do agora.
A venda da casa onde nasci — a mesma dos meus avós, a mesma em que vivi até casar — fez ecoar memórias que estavam em silêncio. Mas não foi só memória: foi como se uma versão antiga da minha vida tivesse sido posta em movimento novamente. Em fotografias do jardim, em retratos de quem já partiu, no rosto da criança que fui, percebo um tempo que se dobra. Um eterno retorno, talvez — não como repetição exata, mas como vibração paralela, como uma outra realidade que se revela por instantes.
Talvez Nietzsche tivesse razão: e se tudo tiver que ser vivido de novo, exatamente da mesma maneira? Mas e se, além disso, cada escolha também abre um desvio, um universo lateral onde seguimos por outro caminho? O tempo se torna espesso, múltiplo, como um campo onde versões nossas caminham em silêncio. E de tempos em tempos, como num eclipse, essas versões se alinham. E o que chamamos de destino é, quem sabe, só o cruzamento dessas vidas que coexistem em planos diferentes.
Este trabalho fotográfico nasce desse entrelugar. Ele não busca contar uma história linear, mas registrar as fendas, os ecos, os pontos de contato entre tempos que se afastam e se reencontram. Um gesto do presente pode ativar um ramo antigo. Um retrato pode ser uma porta. E a casa, mesmo vazia, continua a ser habitada — não por fantasmas, mas por vidas que ainda acontecem, talvez agora, só que em outro plano.