“Quando as águas” é um projeto fotográfico que visa abordar a relação do ser humano com o ciclo das águas na Amazônia. Essas questões são abordadas no contexto da eterna dicotomia entre vazante e enchente, que mantém a continuidade da vida nas águas e à qual historicamente o homem amazônico teve que se adaptar.
Além disso, “Quando as Águas” propõe um debate sobre os impactos evidentes relacionados com as mudanças climáticas em todo o mundo que têm efeito direto sobre eventos relacionados com o ciclo da água nesta região: episódios de inundações extremas e de secas assoladoras estão cada vez mais frequentes.
Como parâmetro para avaliar a intensidade com que os fenômenos estão ocorrendo, basta destacar que a primeira vez que o registro do nível das águas do Rio Negro durante um período de cheia foi quebrado após 56 anos, desde que o rio começou a ser “medido ”(em 1902): atingiu 29,69 metros em 1953 e 29,71 em 2009. Naquele ano, a subida das águas causou muitos problemas, principalmente em Manaus (maior cidade da Amazônia), como a inundação de comunidades ribeirinhas áreas; a readequação do trânsito, já que diversas ruas ficaram alagadas; perdas comerciais, pois as lojas ficaram submersas; e a disseminação de doenças, já que o período de cheias fez com que a rede de esgoto transbordasse na região central da cidade.
Muitas pessoas pensaram que um evento tão extremo levaria mais meio século para acontecer novamente. Estavam errados. Em 2012, os níveis do Negro chegaram a 29,97 metros e todos aqueles problemas da enchente de 2009 voltaram mais fortes, já que Manaus vinha crescendo cada vez mais.
Em 2013, os níveis de inundação atingiram 29,33 metros. Embora não tenha batido os recordes de 2012 e 2009, a enchente de 2013 está entre as mais intensas já registradas. Em 2021, o Negro alcançou um novo recorde: 30,02m. Foi a enchente mais forte que a Bacia Amazônica já enfrentou.
As secas também estão ficando mais constantes. No Rio Negro, o primeiro recorde de seca de 1964 (quando as águas desceram para 13,64 metros) só foi superado em 2010 (em um centímetro, quando o
as águas desceram para 13,63 metros). O pior cenário ainda estava por vir. Em 2023 – dois anos após uma grande enchente, a Bacia Amazônica passou pela maior e mais severa seca de todos os tempos. Todos os 62 municípios do Amazonas entraram em estado de emergência. O projecto “Quando as águas” tem testemunhado esses limites sendo levados cada vez mais ao extremo.
Uma mulher carrega uma garrafa para buscar água no leito do rio Solimões (na aldeia rural de Pesqueiro II, em Manacapuru, Amazonas, Brasil) afetada pela seca de 2012. Moradores de áreas ribeirinhas como essa, em períodos de seca severa são obrigados a caminhar dezenas de quilômetros de pessoas com garrafas ou baldes em busca de água.Uma casa flutuante é vista encalhada no Rio Tarumã Açu, um dos principais afluentes do Rio Negro, em Manaus, Amazonas, Brasil. O Rio Negro, maior afluente da margem inferior do Rio Amazonas, atingiu naquele dia (16 de outubro de 2023) a cota de 13,59 m, marcando a seca mais forte da história do Rio Negro. A Amazônia viveu o pior período de seca de sua história: comunidades ficaram isoladas, a navegação foi prejudicada e a distribuição de produtos caiu drasticamente.Uma casa desabada e abandonada é vista nas ruas inundadas de Anamã, Amazonas, Brasil, em 25 de maio de 2021, durante a maior cheia já registrada na Bacia Amazônica. Anamã é há anos uma “cidade anfíbia”. Muitas famílias são forçadas a abandonar as suas casas durante pelo menos três meses; alguns até as deixam para sempre.Um menino carrega um Tucunaré que ganhou de presente em uma feira para sua casa flutuante (localizada na vila do Cacau Pirêra, às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil), que ficou isolada em 2012 devido à seca. As famílias que vivem nas zonas ribeirinhas costumam pescar para consumo próprio, mas a estação seca obriga-as a procurar alternativas.O barqueiro Paulo Monteiro da Cruz, 49 anos, navega entre dezenas de milhares de peixes mortos pelo calor e pela acidez da água na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Lago do Piranha, em Manacapuru, Amazonas, Brasil, em setembro de 2023. . Os 62 municípios do estado do Amazonas foram afetados pela maior vazante da história da bacia amazônica. Mais de 600 mil pessoas foram afetadas pela seca. Esta foi a seca mais intensa da história do estado do Amazonas.Pessoas que moravam próximas ao Igarapé 40, um dos principais cursos d’água de Manaus, conviveram com grandes quantidades de lixo, esgoto e animais pestilentos durante a forte enchente de 2009, uma dos maiores já registrados no Rio Negro. Os rios urbanos de Manaus são impróprios para qualquer tipo de uso devido ao sistema de esgoto ineficiente da capital do maior estado do Brasil.Raimundo Silva do Carmo, 68 anos, se emociona após coletar água de um poço que ele mesmo cavou no Lago do Puraquequara, na Zona Leste de Manaus, um dos locais da cidade mais afetados pela seca que assolou o Amazonas em 2023. Raimundo compartilhou seu poço com outras famílias da região durante o difícil período. A seca de 2023, a mais longa e intensa já registrada na Bacia Amazônica, dificultou o acesso à água, produtos e serviços, além de prejudicar a renda de diversas famílias amazonenses.O agricultor Noé Vieira do Carmo, 44 anos, lamenta a perda de sua plantação de maracujá devido à enchente dos rios amazônicos que afetou a comunidade de Vila do Cuinha, em Anamã, Amazonas, Brasil, em maio de 2021. Anamã tem sido um “anfíbio cidade” há anos. Para escapar das enchentes, moradores e comerciantes foram obrigados a construir “marombas”, como são conhecidos no Brasil os pisos feitos de tábuas de madeira e localizados no topo das casas ‘palafitas’. Muitas famílias tiveram que sair de casa, a água potável chegava turva e com mau cheiro, e os produtos tornaram-se escassos.Raimundo Silva do Carmo, 68 anos, tira um balde de um poço que ele mesmo cavou na lama para ter acesso à água no Lago do Puraquequara, na Zona Leste de Manaus, um dos locais da capital amazonense mais afetados pela seca em 2023.Essa foi a estiagem mais intensa já registrada na Bacia Amazônica, o que dificultou o acesso a coisas básicas como água.Eurídice Castro, 33 anos, segura o sobrinho Otávio, na janela, enquanto seu filho Aquiles brinca na nascente dos rios, na comunidade da Vila do Cuinha em Anamá, Amazonas, Brasil, no dia 24 de maio de 2021. A enchente paralisou as aulas na região.Jonathan Siqueira, 33 anos, carrega uma garrafa de água até o flutuante em que vive e que que encalhou no Rio Tarumã-Açu, um dos principais afluentes do Rio Negro, em Manaus, Amazonas, Brasil. Jonathan, que mora com outras nove pessoas na casa, disse que a falta de água foi o problema mais difícil da seca de 2023. O rio Negro, maior afluente do rio Amazonas, atingiu a cota de 12,70m em 2023, marcando a estiagem mais forte da história de Manaus e de todo o Amazonas: comunidades ficaram isoladas, a navegação foi prejudicada, a distribuição de produtos caiu drasticamente e mais de 600 mil pessoas conviveram com dificuldade no acesso a água.O barco-recreio Aliança III encalhou na saída de um dos principais portos de Manaus, durante a seca recorde de 2023, a mais longa já registrada na Bacia Amazônica. Os proprietários da embarcação não conseguiram recuperá-la e ela acabou totalmente destruída.Uma menina dirige uma pequena canoa pelas ruas inundadas em Anamã, Amazonas, Brasil, 25 de maio de 2021. Anamã é uma “cidade anfíbia” há anos. Para escapar das enchentes, moradores e comerciantes foram obrigados a construir “marombas”, como são conhecidos no Brasil os pisos feitos de tábuas de madeira e localizados no topo das casas ‘palafitas’. Ao contrário do que acontece em outras cidades do estado do Amazonas (o maior do Brasil e que abriga a maior área da Amazônia) afetadas pelas enchentes dos rios Amazonas, a população de Anamã (Brasil) não precisa construir pontes para transporte . Os pouco mais de 13 mil habitantes da cidade, localizada na região de confluência dos rios Purus e Solimões, preferem a canoa como principal meio de transporte. Anamã foi totalmente inundada pelas águas durante a enchente de 2021, a maior já registrada na Bacia Amazônica.Vista aérea do que restou do rio na comunidade de Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro (Amazonas, Brasil). O acesso à comunidade pela foz do Rio Negro normalmente levaria apenas 5 minutos de barco. Com a vazante intensa, apenas pequenas embarcações conseguiam realizar o percurso, que precisava ser completado por uma longa caminhada entre praias e lamaçais, num trajeto perigoso e cheio de obstáculos. Os cerca de 150 moradores da comunidade sofreram as consequências da grave seca, com dificuldades de locomoção e abastecimento de alimentos e água devido à estiagem de 2023, a maior já registrada a região.
Nascido em Manaus (Amazonas, Brasil), Raphael Alves estudou Comunicação Social com habilitação em Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fotografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Artes Visuais no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Obteve também o título de Master of Arts em Fotojornalismo e Fotografia Documental na London College of Communication / University of the Arts, em Londres (ING). O trabalho de Raphael já recebeu o Pictures of the Year Latin America - POYLatam (2017 e 2021) e o Pictures of the Year International POYi (2022), e a bolsa editorial da Getty Images (2021). Em 2023, seu trabalho foi vencedor do The Nature Conservancy Contest