Somente a fotografia pode manter vivo o que em um momento te emocionou. Foi com esse preceito em mente, transmitido a ela por uma senhora de 87 anos de idade, que Clickiara, nome artístico assumido por Iara Tonidandel, começou a fotografar, em 2011, aproveitando o tempo livre após a aposentadoria.
Clickiara também utiliza a escrita literária para se expressar, mesclando a linguagem verbal à linguagem visual. Em uma viagem em 2023 para o continente africano, para fotografar e atuar em trabalho voluntário, a artista registou a cena intitulada Escuta atenta: a voz do olhar, finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024 na categoria Imagem Destacada.
O que chama a atenção na imagem é a força do olhar, registrada em uma tribo no vale do rio Omo, na Etiópia. Conheça mais sobre a fotógrafa e sua criação artística na entrevista abaixo.
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Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 66 anos de idade. Sou natural de Porto Alegre e, desde março de 2024, estou residindo em Garopaba/SC. Meu trabalho é fotografar e escrever, de forma autônoma. Costumo viajar sozinha para fotografar dando preferência para locais com “poucas pegadas” nas estradas.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Iniciei a fotografar na adolescência, de forma amadora, motivada por uma senhora de 87 anos, cuja fala se mantêm presente em minha vida: “somente pelas fotografias você manterá vivo o quê, em algum momento, te emocionou.”
Em 2011, após a aposentadoria, me dediquei à fotografia com ênfase nas imagens de vida selvagem, mulheres e crianças. Mesclando estudos fotográficos e experiências, desde então, venho criando portfólios cujas narrativas ultrapassam os limites das imagens, sendo, muitas dessas fotos, fontes de inspiração para minhas escritas literárias. Utilizo duas linguagens para expressar, documentalmente e poeticamente, as histórias que vivi nesse planeta: a literária e a fotográfica. Posso dizer que esse é o papel principal da fotografia em minha vida.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
A Etiópia estava marcada no meu mapa em 2020. A pandemia postergou essa viagem fotográfica. Em 2023, inclui esse país aos outros dois, Kenya e Tanzânia, aos quais fui fotografar e realizar trabalho voluntário em orfanatos. Pratico o voluntariado em minhas viagens, pois acredito que assim contribuo com minha moeda maior, meu tempo de vida, enquanto forma de agradecimento pelas imagens que incorporo ao meu trabalho fotográfico.
A Foto Única, finalista no PPF 2024, foi realizada no local de entrada de uma das tribos dos Mursi, no Vale do Omo/Etiópia, onde vários jovens estavam sentados em pedras e troncos de árvores, em total silêncio. Nem sempre é possível estabelecer diálogos com os integrantes das tribos, sendo necessário solicitar ao guia que exerça papel de tradutor.
Entretanto, o exercício da observação me pareceu suficiente para escutar a voz silenciosa dessas pessoas, contando uma vida diferente daquela a qual estou acostumada, vida repleta de dificuldades, mas também de sonhos. Essa foto, de acordo com minha resposta à pergunta anterior, se encaixa no meu trabalho fotográfico na medida em que possibilita aos que a olham, narrativas diversas, além da minha escrita descritiva da imagem. Escrevi uma poesia sobre as fotos dos jovens que fiz na entrada dessa tribo.
Dizem que, ao me olharem encontram
O exótico.
Meus olhos refletem a luz da lua na floresta,
Minha boca tem a forma do coração que em mim pulsa,
Nos adornos de meu corpo, histórias de meus ancestrais.
Talvez aqueles que em mim encontram
O exótico,
Sejam cegos, tenham olhos nublados, confusos,
Conheçam outra lua, não tenham ancestrais a reverenciar,
Ou pulsem por outra batida, que não a do coração.
Ao me olharem encontrando
O exótico
Não veem minha voz, meu respirar,
Desconhecem meus sonhos, minha caminhada,
Negam as raízes das árvores da floresta que nos habitam.
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Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente, estou tratando e escrevendo sobre as fotos da viagem de 2023 à Etiópia, Kenya e Tanzânia e trabalhando na produção de um livro de autobiografia ficcional. Também estou em fase de planejamento de viagem fotográfica associada a trabalho voluntário, para 2025, em uma comunidade de mulheres artesãs que vivem nas montanhas da Guatemala, em Quetzaltenango.