Antropólogo e fotógrafo belo-horizontino de 45 anos, Patrick Arley desenvolve uma prática fotográfica que desafia as fronteiras entre documentação e possessão, pesquisa acadêmica e experiência espiritual. Com trajetória que conecta Brasil e Moçambique – onde viveu durante seu doutorado sobre feitiçaria e política –, ele constrói imagens a partir de uma perspectiva “de dentro”, sendo ele próprio médium na Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente (um dos terreiros de Umbanda mais antigos de Belo Horizonte) e membro do quilombo e Irmandade de Congo e Moçambique Os Carolinos. Sua fotografia, iniciada em 2005 durante disciplina de antropologia visual, transformou-se em instrumento de reconhecimento rather than representação.
Seu ensaio “Aos seres da metamorfose“, finalista na categoria Ensaio do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um mergulho radical na filosofia visual da Quimbanda. Realizado em 2022 com os Exus da Casa 7 Marias em Abaeté (MG), o trabalho propõe um complemento à questão espinosiana – “o que pode um corpo… com Exu?” – explorando a possessão, o transe e as composições de mundos marcados pela ancestralidade negra. As imagens foram produzidas em estado de “semi-transe”, onde as entidades do fotógrafo manifestaram-se para interagir com aquelas presentes na gira, deslocando a lógica ocidental da representação. Mais do que documentar, Arley pratica a fotografia como forma de possessão análoga à que ocorre com os corpos, criando meios para que os espíritos se manifestem através das imagens. Este método – aprendido com curandeiros moçambicanos que tratavam a câmera como instrumento de contra-feitiço – implica assumir responsabilidade pelos feitos e efeitos das imagens, num exercício ético e espiritual que recusa estereótipos e preconceitos.
Conheça mais sobre esta revolucionária abordagem fotográfica na entrevista que segue.



Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 45 anos. Vivo e trabalho em Belo Horizonte principalmente, mas também em várias outras regiões do Brasil, por causa do trabalho como antropólogo.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
O interesse pela fotografia é antigo, da adolescência. Mas foi durante a graduação, numa disciplina de antropologia e fotografia, em 2005, que tive a oportunidade de começar a estudar e me dedicar de forma mais séria, tanto em relação à teoria quanto à prática. Desde então a fotografia faz parte da minha vida, tanto profissionalmente quanto em termos pessoais e espirituais, confluindo com o trabalho de antropólogo no Brasil e em África; e também com minhas vivências na Umbanda, Reinado, e outras tradições afrodiaspóricas. A fotografia, para mim, é principalmente uma forma de tecer relações, com pessoas e seres.



Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
A série “Aos seres da metamorfose” foi realizada com os Exus da Casa de Quimbanda 7 Marias, na cidade de Abaeté (MG) em 2022; e se inscreve num trabalho mais amplo de pesquisa fotoetnográfica em andamento, com entidades, espíritos, encantados e Orixás que venho realizando há cerca de 12 anos, em diversas regiões do Brasil (principalmente em Minas Gerais) e também em Moçambique, onde vivi e realizei a pesquisa de campo sobre as relações entre feitiçaria e política, para meu doutorado em antropologia. Ao propor um complemento à célebre pergunta espinosista: “o que pode um corpo… com Exu?” a série aborda temas como a possessão, o transe, o corpo; e em última instância as diferentes composições de pessoas e mundos marcados pela ancestralidade negra em contextos contemporâneos da diáspora. Trata também das possibilidades da fotografia como uma forma de possessão.
Como médium, as fotografias aqui apresentadas foram feitas num estado de “semi-transe” no qual minhas entidades também se manifestam para interagir com aquelas presentes na gira. Esta forma de produzir as imagens tem efeitos não apenas no processo de fotografar (não estar “no controle”, ou na obsessão por imagens tecnicamente “perfeitas” na lógica da linguagem visual mais comum dentro da fotografia documental e jornalística), mas também em termos relacionais: fotografar “com”, e não “sobre”; criar meios para que os espíritos se permitam manifestar através das imagens, de forma análoga àquela que fazem com os corpos.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Gosto de desenvolver trabalhos de longo prazo. Atualmente estou no processo de produção de um fotolivro da série “quem anda com nego velho”, desenvolvida ao longo dos últimos 15 anos com as irmandades do reinado e Congado em Minas Gerais. Também sigo com a pesquisa com os Exus e outras entidades e planejo uma exposição deste trabalho para o próximo ano.
Ambos os projetos partem de uma perspectiva “de dentro”. Em Belo Horizonte, faço parte do quilombo e Irmandade de Congo e Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Sagrado Coração de Jesus – Os Carolinos; e também da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, um dos terreiros de Umbanda mais antigos da capital. Um dos pressupostos e desafios desta perspectiva é, não apenas o de não reproduzir os vários estereótipos preconceituosos (textuais e imagéticos) acerca das pessoas e seres envolvidos; mas o de assumir uma perspectiva contrária a estes estereótipos. Isso implica na incorporação das várias agências e presenças que compõem as experiências, tanto nos ritos e práticas registrados, quanto no próprio fazer fotográfico.
Como aprendi com os curandeiros em Moçambique (que tratavam a fotografia como um contra-feitiço e a câmera como um equivalente funcional de seus instrumentos de trabalho) reivindicar um animismo para as imagens implica em assumir, e principalmente se responsabilizar, por seus feitos e efeitos. Trata-se de sair de uma lógica da representação – tão cara ao ocidente, tanto em termos imagéticos quanto políticos – para outra, a do re-conhecimento – isto é, conhecer em outros termos.


