“Nos olhos do que desconheço, a sensação do vazio.
Ao que olho, me desespero.
O som da inquietude me invade por inteiro.
Aquele silêncio doído.
Os olhos indecifráveis da besta.
Neles me reconheço.
O hálito do horror escancarado.
Mas os olhos ainda não estão satisfeitos.
Insaciáveis, devoram cada segundo da minha existência.
Em minutos, seu ato é interminável, em anos, nos acostumamos.
A lâmina que corta o tempo é a mesma que rasga o ventre do moribundo.
Profano, divino, homem, mulher, bicho, gente…
Meu reflexo, irreconhecível nesse espelho da minha alma, tenta desesperado a salvação.
Não consegue. Ali vai uma parte de mim.
De um todo que não se explica.”
A poesia que acompanha a presente série de fotos nasceu de maneira concomitante à realização das imagens. Algo que senti a necessidade de trazer para o papel, em uma manifestação diversa da fotografia, mas que nascia junto com ela – de maneira a dar vida a essa agonia.
Quanto aos personagens da série, os Cazumbás ou Cazumbas são personagens tradicionais do Bumba Meu Boi do Maranhão. Encontrados com mais frequência em bois com o sotaque da região da Baixada Maranhense, sua presença traz um sincretismo que é característico da cultura popular e religiosa do Maranhão.
Nem homem, nem mulher … nem gente, nem bicho … esses personagens – para além dos elementos estéticos e folclóricos do Bumba Boi – representam papéis repletos de simbologia e complexidade.
Nas apresentações e brincadeiras do Boi, os Cazumbas se movem com graça e mistério – acompanhados pelo guizo dos seus chocalhos, caminham como se estivessem numa floresta. Suas máscaras provocam um sentimento misto – em que, no confronto entre a vida, a morte, a ordem e o caos, acabam se tornando um reflexo da própria existência dos seres humanos.
O Cazumba materializou-se com o Bumba meu Boi, carregando o que o Boi não consegue explicar. Talvez nenhum de nós.
A série ‘Ecos do Cazumba’ nasce de um projeto maior, que explora questões que perpassam a lógica da estética e/ou do folclore tradicional. Em uma primeira aproximação, esses personagens foram levados para os mangues e matas, seu habitat natural (material de outros ensaios), em que seus espíritos puderam se libertar. Já na presente série, o foco está no que se encontra por trás das máscaras – uma tentativa de enxergar o invisível. José Miranda Júnior (Fozzie)