Este ensaio nasceu do encontro entre o meu corpo em trânsito e um território urbano onde o invisível pulsa. A Favela Jardim Monte Azul – periferia sul de São Paulo – foi onde escolhi desacelerar meu olhar, não para retratar uma comunidade, mas para escutar, com a câmera, seus silêncios e seus excessos. Ali, entre becos, muros e travessias, relembrei que a cidade não é só matéria, mas também memória e história.
Meu processo criativo parte da escuta acurada e da permanência. Retornei ao mesmo lugar em dias diferentes, não para perseguir uma imagem específica, mas para me deixar afetar pelas luzes, pelos gestos e pelos tempos das coisas. O ensaio é menos sobre o que vejo e mais sobre o que a paisagem me conta. Para mim a fotografia opera como dispositivo de presença e atenção. Por isso, as imagens não se constroem a partir de grandes espetáculos visuais, mas de pequenos deslocamentos simbólicos, em que a vida parece se revelar por frestas.
A opção pelo uso da câmera fotográfica como ferramenta de aproximação – e não de distância – redefine a relação com o real. Não há teleobjetivas nem interferências. Me aproximo, espero, componho. A luz natural é a única iluminação permitida. Me interesso pelos encontros em suspensão: uma pessoa que caminha, um varal improvisado, uma escadaria que parece ruir, um céu que resiste. Nada foi encenado. Tudo foi, em alguma medida, devolvido ao mundo como foi recebido.
A série também é um exercício de construção poética do espaço. O Jardim Monte Azul, lugar tantas vezes estigmatizado pelo discurso institucional, aqui emerge como território de potência estética. Meu método é documental, mas minha intenção é metafórica. Busco imagens que sustentem uma ambiguidade – entre ruína e beleza, entre concreto e sonho, entre abandono e reinvenção. A vida no Monte Azul é dura, sim. Mas é também cheia de cor, alegria, fé, ritmos e invenções.
No percurso, incorporei referências da fotografia latino-americana que pensa a cidade para além da denúncia. A tradição documental expandida me auxiliou a entender que a imagem não precisa apenas explicar, mas pode sugerir, provocar e até calar. Trabalho, portanto, na fronteira entre o ensaio visual e a escavação simbólica.
Cada fotografia é uma escuta. Cada enquadramento, uma escolha estética. Cada passo, uma negociação entre presença e invisibilidade.
Hoje, ao olhar para esse conjunto, percebo que o ensaio me levou a enxergar não apenas um bairro, mas a rever a maneira como me posiciono no mundo enquanto fotógrafo, homem branco, de classe média, vindo de outro ponto, também periférico. Compreendo melhor meu lugar de fala e, sobretudo, meu lugar de silêncio, em que estou constantemente aprendendo a escutar.