A paisagem religiosa baiana contemporânea reflete as especificidades do seu passado, profundamente atrelado ao continente africano. Em meio aos Candomblés de múltiplas matrizes e seus encontros sincréticos com o Catolicismo, pouco se destaca uma tradição afro-diaspórica que teve grande influência histórica e simbólica no estado e sua capital. Até a primeira metade do Oitocentos, Salvador era a cidade com a mais forte presença do Islã no chamado Novo Mundo. A relevância dessa tradição na ancestralidade baiana expressa-se em termos quantitativos: com diferentes graus de fluência doutrinária, entre 1800 e 1850, entre 15 e 20% dos africanos em Salvador eram islamizados.
Em que pese a diversidade de origens étnicas dos africanos muçulmanos, os malês (do iorubá ìmàle), como eram conhecidos os de origem iorubá, sobressaíram por conta do seu protagonismo na rebelião escrava de 1835. A Revolta dos Malês teve como consequência a repressão violenta ao Islã, e muitos dos envolvidos na revolta foram mortos, presos ou extraditados para a África. Apesar da repressão, o Islamismo sobreviveu, mesmo que de forma diluída, até a morte dos últimos afro-muçulmanos na virada do século XX, voltando a se organizar na Bahia somente cerca de um século depois, em 1993, com a fundação do Centro Cultural Islâmico da Bahia.
Este projeto, que configura uma parceria entre o fotógrafo e Ogan Vinicius Xavier, que há duas décadas registra diferentes manifestações da religiosidade brasileira, e a pesquisadora Hannah Bellini, que estuda o Islã há 20 anos, busca dar vida, rosto e voz a esses personagens que representam a continuidade de uma tradição tão relevante na Bahia, deliberadamente apagada, justamente por sua participação ativa na luta contra a escravidão. De forma inédita, as imagens, realizados na mesquita em Salvador durante o mês do Ramadã em 2023, possibilitam a composição de um panorama original de um território religioso escassamente explorado, e que ainda constitui um elo pouco visível do Brasil com o continente africano.