Todos os anos, durante uma semana do mês de agosto, o Vão das Almas — situado na zona rural de Cavalcante, no norte de Goiás — se transforma em um santuário vivo. Quilombolas dos mais distantes pontos do território Kalunga se deslocam por estradas de terra e trilhas do cerrado para celebrar Nossa Senhora da Abadia e o Divino Espírito Santo, numa festa que une devoção, memória e resistência.
Durante alguns dias, uma pequena cidade se ergue no coração do sertão: ranchos de palha são construídos, famílias montam acampamentos, bandeirolas coloridas tremulam ao vento, e a poeira do cerrado acolhe procissões, novenas, rodas de forró e banquetes coletivos. É um tempo de reencontro — entre famílias, entre tempos, entre gerações.
A organização da festa é conduzida por um grupo de festeiros, liderados pelo Imperador do Divino, figura central responsável por mobilizar as comunidades, arrecadar mantimentos e coordenar os rituais. O mesmo modelo se repete na devoção a Nossa Senhora da Abadia, com o Imperador dando lugar para o Rei e Rainha do Império Kalunga. Ao fim da celebração, os novos festeiros são escolhidos, garantindo a continuidade dessa tradição repassada entre gerações.
Este breve ensaio busca mostrar um pouco dessa tradição. Um retrato das cores e da fé que seguem firmes no coração do Brasil profundo.






