No dia 28 de abril de 2025, às 12:33, a rede elétrica da Península Ibérica sofreu um colapso total. Em poucos segundos, mais de 15 gigawatts desapareceram do sistema e todo o fluxo elétrico da península foi interrompido. A falha, iniciada com a desconexão de subestações em Granada, Badajoz e Sevilha, rapidamente afetou toda a Espanha e Portugal, estendendo-se também ao sul da França, Andorra e regiões vizinhas. O apagão deixou cidades inteiras sem eletricidade, derrubou a conectividade digital e paralisou serviços. A energia só começou a voltar no final da noite, sendo plenamente restabelecida apenas na madrugada do dia seguinte.
Eu estava em casa, trabalhando, quando tudo simplesmente apagou. O prédio inteiro ficou sem luz. O celular perdeu o sinal e conhecendo algo sobre infraestrutura de redes moveis, soube na hora: era algo de magnitude continental. Peguei minha câmera e desci as escadas; precisava ver o que estava acontecendo. Nas ruas de Madri, a cena era dantesca. Pessoas com o olhar perdido, sem saber o que fazer. O que vi naquele dia, ao longo de horas caminhando pela cidade, mais tarde se revelou como uma sequência de transformações coletivas. O que no início era apenas uma falha técnica foi se desdobrando em camadas emocionais, uma narrativa em cinco fases, análogo aos cinco estágios do luto descritos por Elisabeth Kübler-Ross.
A primeira fase foi o caos. A ausência de eletricidade desarticulou completamente os sistemas de mobilidade urbana: semáforos apagados, trens parados, metrôs fechados. Carros se acumulavam em ruas que normalmente eram tranquilas, e as calçadas estavam lotadas de pedestres confusos, tentando encontrar algum caminho possível para voltar para casa. Aos poucos, as pessoas começaram a entender que não era um problema local. Sem acesso à internet ou telefone, a informação se espalhava aos fragmentos: “Parece que em Barcelona também tá sem luz!”, dizia uma senhora a um desconhecido. “Em Lisboa também!”, respondia outro.
Essa percepção de que a falha era generalizada foi o que trouxe a segunda fase: a preocupação e o medo. A lembrança recente da pandemia pairava no ar como uma sombra. O medo era visível nos rostos das pessoas, especialmente quando olhavam para os seus celulares, agora inúteis. A impossibilidade de se comunicar, de acessar dinheiro digital, de se informar, produziu um tipo de pânico silencioso. Alguns entravam em lojas completamente escuras, esperando encontrar alguma coisa para ajudá-los — velas, lanternas, rádios de pilha. Era como se o tecido da vida cotidiana estivesse se desfazendo, e junto com ele, a noção de controle.
A terceira fase começou quando o medo deu lugar à tentativa de ação. Ainda que sem saber para onde ir, era preciso tentar algo: chegar em casa, encontrar alguém, sair do lugar. Pedestres pediam carona em rodovias e ruas centrais, algo incomum em cidades como Madri. Era como se, diante da falta de alternativas, ressurgisse uma certa solidariedade improvisada — ainda que não houvesse ninguém com respostas ou rotas claras. Mas a vida precisava continuar.
Talvez como mecanismo de defesa, ou pela própria impotência diante da situação, muitas pessoas passaram a viver uma quarta fase: o desfrute resignado. Se não havia como trabalhar, como responder e-mails, como assistir à televisão, a única opção era esperar. Vi grupos sentados em bancos de praça, outros tomando sol, pessoas indo a bares que ainda aceitavam moedas. A impossibilidade da rotina abriu espaço para uma pausa inesperada. Uma suspensão do tempo útil que, para alguns, virou até prazerosa.
Por fim, veio a quinta fase: o retorno transformado. Por volta das once da noite, as luzes começaram a voltar em alguns bairros. Pessoas gritavam das janelas: “Voltou!”, e a cidade parecia respirar de novo. Mas havia uma consciência diferente no ar. A experiência tinha deixado marcas. A volta da eletricidade trouxe consigo a percepção uma percepção aguda da fragilidade do sistema que nos sustenta. Ficou a sensação de que vivemos por um fio: basta uma falha técnica, uma crise política, ou um evento climático extremo para que tudo aquilo que damos por certo se dissolva. Comunicação, mobilidade, acesso à informação, organização da vida cotidiana — tudo depende de estruturas invisíveis que, quando falham, nos confrontam com a realidade do nosso desamparo. Numa das fotos finais, um grupo de pessoas bebe e sorri num bar à noite, todos olhando diretamente para a câmera. À primeira vista, parece uma imagem comum. Mas há uma intensidade no olhar de cada um, como se soubessem que tinham passado por algo que ainda não podiam nomear, mas que os tinha mudado.
As imagens deste ensaio são testemunhos dessa jornada emocional e coletiva. Não se trata apenas do registro de uma falha elétrica, mas de um estudo visual sobre o comportamento humano frente ao colapso. Sobre a transição do medo à colaboração, da desorientação à pausa. Trata-se de uma reflexão sobre a nossa dependência de sistemas invisíveis e sobre os horizontes — tecnológicos, afetivos, sociais — que nos cercam e nos moldam. Um apagão como esse é também uma metáfora do nosso tempo: não percebemos o que nos sustenta até que falhe. E às vezes, quando falha, já é tarde demais.
No contexto da crise ambiental global, este episódio adquire ainda mais peso. Assim como o apagão revelou a fragilidade das nossas infraestruturas tecnológicas, as mudanças climáticas nos confrontam com a fragilidade da nossa própria existência enquanto sociedade. A fotografia documental, neste caso, atua como alerta e como espelho. Ao narrar esse dia incomum em Madri, este ensaio propõe uma pergunta urgente: o que acontece quando o mundo apaga? E como escolhemos viver quando ele se volta a acender?

Pessoas e carros colapsam Madri sem saber o que fazer

O medo era visível nos rostos das pessoas, especialmente quando olhavam para os seus celulares, agora inúteis.

Pessoas olhavam para o vazio com expressão de apreensão. A expressão desolada deixava claro que o celular, desconectado, não ajudava.

Um homem fotografava um mapa de papel em uma parada de ônibus. Sem o acesso ao GPS não sabia chegar em casa.

Homens de terno, claramente em meio a uma jornada interrompida, levantavam o braço pedindo carona na rua. Surgia, nesse momento, um esboço fugaz de cooperação entre desconhecidos.

Em uma rua residencial, duas mulheres sentadas em cadeiras tomavam sol que ainda funcionava.

Um grupo de pessoas bebe e sorri num bar à noite, já com a eletricidade restaurada. Estão olhando diretamente para a câmera, algo raro hoje em dia, mas não é uma imagem comum, há uma intensidade no olhar de cada um, como se soubessem que tinham passado por algo que ainda não podiam nomear, mas que os tinha mudado.