No coração da Comunidade Quilombola de Pinhões, em Santa Luzia, Minas Gerais, o Congado pulsa como uma reza que se move, viva em passos, cantos e cores. É muito mais do que festa: é fé que dança, canta e resiste, bordando em cada gesto um elo com a ancestralidade afro- brasileira. Desde o início do século XX, quando os descendentes de escravizados realizaram uma Ação de Graças no Mosteiro de Macaúbas, uma promessa virou tradição. Reis e Rainhas passaram a conduzir, com devoção, a celebração em honra à padroeira da Comunidade, Nossa Senhora do Rosário, que se tornou símbolo de proteção, força e presença divina em cada canto do quilombo.
As roupas, as músicas, os instrumentos, tudo carrega um sentido profundo. As saias e capas azuis representam o manto de Nossa Senhora, enquanto o branco simboliza a pureza de Cristo. No alto das cabeças, capacetes com doze estrelas reluzem os apóstolos, como coroas que guardam o mistério da fé. Ao som de tambores, violões e caixas, o Congado transforma o território em altar. Cada canto entoado é um saber ancestral transmitido pelos mestres, guardiões da memória, que ecoam nas vozes das novas gerações. Entre os ritos, destaca-se o Catopê, a dança realizada apenas por homens, que une elementos africanos e cristãos, numa expressão vigorosa de louvor.
Tudo gira em torno de Nossa Senhora do Rosário. Dizem que sua aparição em uma lapa próxima à Comunidade firmou ainda mais os laços entre o divino e o chão de Pinhões. O Cruzeiro, mais antigo que a própria igreja, ainda hoje é ponto de encontro sagrado. É em torno dele que a Comunidade se reúne em procissões, festas e rezas, perpetuando uma devoção que atravessa séculos. Mas o Congado não se resume à espiritualidade: ele também se revela na partilha, no alimento, na mesa farta. Cada detalhe da celebração, do preparo à acolhida, transforma a fé em gesto e a tradição em afeto.