Em Reforma, Rao Godinho constrói um ensaio visual que tensiona os limites entre o íntimo e o arquitetônico, o ruído do concreto e o silêncio das emoções. São autorretratos captados durante a reforma da própria casa — mas, sobretudo, são registros do colapso e da reconstrução de um corpo-em-estado-de-alerta. A obra se ancora em uma tradição confessional que remete à Hilda Hilst, que fazia um ligação intrínseca entre “corpo” e “casa”, esse espaço de desejo, exílio e linguagem.
A casa, nesse conjunto, não é cenário. É personagem. Despida, inacabada, com suas vísceras expostas — fios, tijolos, poeira — espelha a fragilidade emocional do artista e, ao mesmo tempo, sua potência de reinvenção. O corpo que se fotografa entre entulhos não busca uma estética da perfeição, mas um testemunho da instabilidade como matéria criativa. O gesto performático do autorretrato emerge como dispositivo de enfrentamento, como modo de inscrever-se no mundo mesmo quando este, e o próprio autor, estão em ruínas.
Há ecos das práticas de autoficção, da arte relacional e da estética do precário. A série habita esse lugar onde o desgaste se torna poética, onde o processo é forma e onde o lar, mais do que abrigo, é território simbólico de disputas entre passado e futuro. As imagens, cruas, de uma luz quase mística, evocam camadas de tempo — tempo emocional, tempo do reboco que seca, tempo de espera por si mesmo.