A cidade é também uma superfície de inscrição, povoada por imagens de todos os tipos. Os transeuntes também são como atores. No cenário aberto do espaço público expressam posições, se escondem por trás de máscaras, jogam o jogo das relações sociais.
A São Paulo expressa nas fotografias da série Olho de Vidro, de José Bassit, carrega em si o poder da ficção, embora todas as imagens tenham sido fruto do acaso. Uma atmosfera de sonho emana das cenas, muitas delas captadas fortuitamente no metrô, com uso de um celular.
Bassit é um dos convidados do Festival Fotodoc, onde vai ministrar um workshop e participar da série de Encontros. Além disso, a exposição Olho de Vidro faz parte da programação do festival.
Em uma entrevista exclusiva concedida por email, Bassit conta um pouco sobre a gênese a proposta da série Olho de Vidro e de sua descoberta da fotografia de rua.
Você conta no livro que as imagens foram produzidas enquanto você se recuperava de uma grave cirurgia. Pode nos contar mais detalhes sobre isso? De que maneira essa recuperação afetou sua atividade como fotógrafo?
Tive uma cirurgia muito invasiva ,com um tumor no pâncreas. Além do trauma da cirurgia, fiquei sem rumo por um tempo. Uma das recomendações médicas era de, enquanto me recuperava, caminhar bastante. Comecei a dar voltas no quarteirão a princípio, depois comecei a sair para mais longe. Não tinha muito interesse por fotografia de rua, mas como parte do tratamento comecei a sair e andar com a câmera.
Seu trabalho anterior a essa série é baseado na cobertura de grandes temas, a maioria deles fora de São Paulo, onde reside. Em Olho de Vidro você mergulha nas ruas da cidade e emerge com um olhar mais cáustico. Como foi essa passagem do documental à fotografia de rua? Como foi o processo de descobrir na cidade onde você mora o tema de seu trabalho?
No princípio voltava da rua sem nada. Estava acostumado com a fotografia documental, onde já havia pesquisado o que iria fazer e fotografar para contar a história.
Na fotografia de rua você sai sem nada programado. Você cria na hora que aparece a imagem na sua cabeça.
E assim fui aprendendo a enxergar a rua, antes tão normal para mim, até descobrir suas riquezas.
Você vai abordar em seu Workshop as diferenças entre fotografia documental e fotografia de rua. Pode adiantar um pouco para nosso público em linhas gerais como considera esses dois gêneros, por assim dizer, e suas diferenças entre si?
No Workshop pretendo abordar minha passagem do documental, onde me faz muito feliz fotografar, pois gosto de me aprofundar em um tema, me envolver com o assunto, pesquisar e contar a história. Na rua, como disse antes, você sai buscando imagens aleatoriamente, contando em recortes a dinâmica das ruas.
A rua ensina muito, pois você tem que criar na hora, ser rápido e ficar bem focado. Tudo acontece em alguns segundos.
Suas saídas fotográficas eram realizadas de maneira fortuita e aleatória ou você programava? Como você desenvolveu a série? Como foi a escolha dos locais por onde passou? Voltou muitas vezes ao mesmo lugar?
Saía quase todos os dias, de 2016 até o começo de 2020, quando começou a pandemia.
Devido a minha saúde precária, não sai por 2 anos, durante a pandemia.
Aprendi a ver na rua durante esse tempo, detalhes como a luz e a sombra, os grafismos e as pessoas da cidade, que me levaram a fazer de cenas ordinárias e banais se transformarem em boas imagens.
Do ponto de vista formal, as imagens da série Olho de Vidro são bastante variadas. Você utilizou celular para captar imagens furtivamente no metrô. Imagens PB são misturadas com cor. Acredito que essa linguagem é muito efetiva ao retratar a cidade, um local com suas belezas, mas saturado de matéria orgânica, de sujeira e detritos. Como foi o processo de escolha do equipamento e da linguagem visual da série?
No processo utilizei câmera e celular, principalmente dentro do metrô, onde a câmera é proibida. Nestas horas, o celular funciona perfeitamente como instrumento para não atrapalhar a fotografia, uma vez que você passa desapercebido com ele.
Pode nos contar um pouco sobre o processo de criação do livro Olho de Vidro? Como se deu as parcerias com Marcelo Greco, na edição de imagens, Diógenes Moura, na criação dos textos, e Monica Schalka, da Vento Leste, na coordenação editorial?
Foi um grande prazer e alegria fazer o livro Olho de Vidro. A produção do livro, generosamente acolhido por Monica Shalka e a editora Vento Leste foi crucial para a edição. Contei também com a curadoria de Marcelo Greco, que me acompanhou durante toda a captação das fotos. Ao excelente texto do Diógenes Moura, que deu o nome ao livro, A edição de arte de Ciro Girardi e a produção de Heloisa Vasconcelos.
Você continua produzindo imagens dentro desse trabalho ou já deu por encerrado? Vai seguir nesse caminho aberto na fotografia de rua, retornar ao documental ou manter as duas vias juntas em sua produção?
Acabei fotografando por 3 anos e meio as ruas, e acabei apaixonado. Continuo fotografando e sou um grande entusiasta desse gênero de fotografia, mas atualmente também estou pensando e pesquisando para fazer um trabalho documental.
Clique aqui para conferir o Workshop de José Bassit no Festival Fotodoc 2022