Fotógrafas consagradas em áreas distintas como Nana Moraes, Glória Flügel, Wania Corredo, Laura Alzueta e Magda Pinheiro são exemplos para as novas gerações. Mas, muito antes delas, nos primórdios da fotografia, algumas mulheres tiveram papel fundamental na evolução da técnica e da prática – embora, infelizmente, a história dê total prioridade a nomes masculinos. Não se pode esquecer que a britânica Constance Talbot desenvolveu (mesmo à sombra do marido William Henry Fox Talbot) os primeiros papéis fotossensíveis, que absorviam mais rapidamente as imagens.
Já a francesa Antonieta DeCorrevont foi a primeira mulher no mundo a trabalhar profissionalmente com fotografia, abrindo um estúdio de retratos em 1843 em Munique, na Alemanha. Julia Margaret Cameron, também britânica, começou a fotografar em 1864 e criou um novo conceito estético para retratos, com uma visão artística muito inovadora para a época.
No Brasil, há uma importantíssima colaboração de fotógrafas imigrantes na formação dessa história, como a alemã Alice Brill (1920-2013) e a suíça Hildegard Rosenthal (1913-1990), assim como a paulistana Gioconda Rizzo, que nasceu em 1897 e morreu em 2004, semanas antes de completar 107 anos – ela é considerada a primeira fotógrafa brasileira a ter o próprio ateliê, o Photo Femina, inaugurado em 1914 em uma sobreloja na Rua Direita, no centro da capital paulista.
A antropóloga, historiadora e curadora paulista Yara Schreiber Dines, à frente do projeto do livro Fotógrafas Brasileiras – Imagens Substantivas, que está pronto e passa pela fase de captação de recursos via lei Rouanet, acredita que, independentemente de todas as conquistas alcançadas pelas mulheres no mercado fotográfico até hoje, ainda há muito pelo que lutar. Para ela, o meio acadêmico em áreas ligadas ao setor da arte e fotografia, por exemplo, poderia dedicar mais espaço a disciplinas sobre a arte feminina. Da mesma forma, as mulheres poderiam ter mais oportunidades para serem lembradas em grandes exposições, pois, na avaliação dela, a presença feminina ainda é muito tímida.
Apesar de revolucionarem e cativarem o planeta com sensibilidade singular, as mulheres ainda enfrentam hostilidades e preconceito em muitos aspectos, como machismo, diferenças salariais, assédio e desvalorização profissional. Contudo, nenhum obstáculo tem conseguido impedir que a força das fotógrafas se destaque em diferentes segmentos (como podem comprovar Nana Moraes, Glória Flügel, Wania Corredo, Laura Alzueta e Magda Pinheiro), produzindo trabalhos instigantes, desbravando mercados e até dominando áreas em que é rara a presença masculina.

Mulher de mil e uma capas
Referência no mercado editorial brasileiro, a carioca Nana Moraes, 57 anos, tem a fotografia no sangue. Filha e assistente do renomado fotógrafo José Antonio Moraes, bastante conhecido por ser um dos precursores da produção editorial brasileira, ela superou o número de mil capas de revistas com imagem de sua autoria, principalmente para a Editora Abril, entre elas Claudia, Nova Cosmopolitan, VIP e Playboy – sem contar as inúmeras capas de CDs e campanhas publicitárias. Ela lembra que o fato de ser mulher proporcionou certo conforto para as modelos e celebridades na hora dos ensaios e de capas: “Elas se sentiam protegidas por mim, pelo meu trabalho, confiavam que eu iria captar com sensibilidade”, afirma a fotógrafa, comentando que muitas começaram a exigir em contrato que queriam ser clicadas por ela.
Ela recorda de uma passagem, em especial, que aconteceu com Grazi Massafera, quando a atriz foi convidada para um ensaio na revista Playboy: ela tinha acabado de ganhar notoriedade ao participar da quinta edição do reality show Big Brother Brasil, e na reunião de pauta o editor da Playboy tinha um conceito preestabelecido que representava para o ensaio a imagem da Grazi sentada em um bar, com as pernas abertas e uma linguiça frita na mão, como a “mana da galera”. “Com outra ideia estruturada, concebida a partir de uma linguagem Flower Power dos anos 1960 e 1970, da qual eu já tinha a aprovação da Grazi e da assessoria dela, precisei ter jogo de cintura e muita paciência para lutar pela minha proposta, que fiz de uma maneira leve e educada. Por fim, o ensaio saiu do jeito que eu queria, agradando mais às mulheres do que aos homens”, relembra a fotógrafa.
Engajada na causa humanista, Nana Moraes atualmente está à frente de projetos sobre o tema, produzindo uma trilogia de livros intitulada DesAmadas, que busca desvelar mulheres estigmatizadas. Já foi publicado o primeiro livro, Andorinhas, que trata da vida das prostitutas, e há outro a caminho, Ausência, que foca em presidiárias e suas relações com a família e os filhos.





Proteção e sensibilidade
Fotógrafa curitibana baseada em São Paulo (SP), Glória Flügel, 66 anos, é considerada uma expert em fotografia de retratos corporativos, principalmente de políticos. Há 40 anos trabalhando no mercado fotográfico, ela conta que quando atuava na área publicitária sentiu na pele o preconceito por ser mulher: “Perdi algumas contas, havia aquela desconfiança de que a gente não iria dar conta de carregar equipamentos, além da discriminação de pagar sempre menos. Hoje tudo isso evoluiu muito”, comenta ela.
Atualmente Glória não enxerga mais preconceito no segmento de retratos de políticos – e até acha uma vantagem ser mulher: “Sempre tive muita habilidade nos retratos e acho até que os homens preferem uma fotógrafa porque tem esse lado maternal, um forte apelo feminino. A gente protege melhor nosso cliente dos próprios defeitos deles, fazemos elogios de maneira cordial e, se tiver que fazer uma crítica, somos mais sutis e delicadas”, defende a fotógrafa.
Segundo Glória é importante essa sensibilidade feminina para extrair o lado mais amável dos modelos na hora das fotos, principalmente quando são pessoas que não estão acostumadas a serem fotografadas. A mulher tem aquele felling para perceber a tensão e ter atitudes para que o modelo relaxe, como falar algo que toque o coração do retratado para despertar o brilho genuíno nos olhos. “Mesmo fotografando muitos homens aqui no estúdio, nunca tive problema com machismo”, afirma ela.






Uma porção de serás
Apesar de ser um campo profissional quase totalmente dominado por homens, ao longo do tempo, muitas mulheres romperam mundialmente as barreiras de gênero no fotojornalismo. No Brasil, Maureen Bisilliat, Claudia Andujar e Nair Benedicto, para citar as mais conhecidas que batalharam com coragem pelo espaço no mercado, influenciaram gerações futuras, como a gaúcha Marcia Foletto (de O Globo) e a fotojornalista e ativista cultural carioca Wania Corredo.
Com 25 anos de carreira, sendo a única mulher da equipe do jornal O Dia, do Rio de Janeiro (RJ), a premiada Wania trabalhou durante 17 anos cobrindo hard news e conta que nunca deixou a vaidade de lado, muito menos a força e a coragem na hora de sair de casa para cobrir uma pauta em que estava em contato o tempo todo com o medo e a tristeza, seja entre um tiroteio ou registrando uma mãe perdendo um filho assassinado.
Wania, que foi treinada para ser uma guerrilheira urbana da fotografia, diz que ao longo da carreira a desigualdade salarial, mesmo em uma categoria igualada (assim como ocorre com a maioria das outras profissões), sempre foi algo muito costumeiro no fotojornalismo. Além disso, há o fato de não existir um equilíbrio de igualdade de gênero nas equipes, pois ainda são poucas as fotógrafas nas redações de jornal.
Outro ponto que ela levanta é sobre a dificuldade de se manter como uma fotógrafa conceituada e as cobranças diferentes que sempre existiram, os questionamentos, que ela chama de “serás”: “será que ela vai resistir tanto tempo num plantão?; será que vai conseguir carregar os equipamentos?; será que ela vai engravidar?”. É um meio extremamente competitivo, e adquirir o respeito por meio da competência é um esforço diário. “Tem também um será com o qual sempre briguei minha carreira inteira: ‘será que essa pauta é de mulher ou de homem?’. É uma luta o tempo todo contra esse tipo de pensamento. Não deveríamos ter de provar mais nada”, pleiteia ela.
Wania pensa em um futuro mais positivo para as novas gerações de mulheres no mercado de fotojornalismo, em que é importante despertar uma rede de apoio na qual uma estende a mão para a outra e na qual legitimamente ficam mais unidas. Isso pode ser feito por meio de criação de coletivos nacionais e internacionais, como uma rede de conexão, ou nas ruas, na capacitação profissional. Ela atualmente é ativista cultural, fundadora do Movimento Fotógrafas Brasileiras, que agrega cerca de 2.500 mulheres ligadas à imagem no Brasil e no exterior.




Sensualidade pelo olhar dela
Pode ser para presentear alguém ou simplesmente massagear a autoestima. Fazer um ensaio sensual é o desejo secreto de muitas mulheres comuns, e quando o ensaio é feito por outra mulher tudo fica mais fácil: é possível dividir estrias, medos e defeitos sem ser julgada – é com esse argumento que a fotógrafa paulista Magda Pinheiro, 43 anos, oferece há 11 anos sessões em seu estúdio em São José do Rio Preto, interior paulista.
Segundo ela, nos últimos três anos a quantidade de mulheres que têm procurado ensaios intimistas tem aumentado consideravelmente. E elas não querem posar somente para agradar ao marido ou namorado: a busca é por uma forma de empoderamento, uma maneira de provar para si mesma e para os outros que estão vivendo a melhor fase da vida delas. “A maioria chega aqui dizendo que sempre teve vontade de fazer um ensaio sensual e que jamais faria se fosse com um fotógrafo homem. Quem mais procura são mulheres na faixa entre 30 e 50 anos que já têm independência financeira e não estão preocupadas com a aprovação de namorados, maridos ou dos familiares”, explica Magda Pinheiro.
Com uma equipe totalmente feminina no estúdio, as clientes se sentem à vontade, não há acanhamento e ficam mais seguras, pois sabem que o trabalho, quando feito por outra mulher, geralmente tem um resultado elegante, sem ser vulgar ou erótico. Para a fotógrafa, a visão de outra mulher sugere a compreensão de quais pontos positivos devem ser ressaltados e quais devem ser disfarçados. Muitas clientes chegam apontando algo no corpo que não as deixam confortáveis para mostrar, atitude que a maioria jamais revelaria para um fotógrafo homem, acredita Magda.
Outro dado curioso, informa Magda Pinheiro, é que a busca pelo book sensual tem aumentado entre gestantes e casais, que preferem fotógrafas mulheres para produzir ensaios intimistas, o que abre mais uma oportunidade para o domínio das profissionais do sexo feminino nesse nicho de mercado.






Um território feminino
Fotografar recém-nascidos em poses graciosas dentro de caixas e cestos bem produzidos virou moda de alguns anos para cá. A tendência da fotografia de newborn tem atraído cada vez mais mulheres para o setor, podendo se dizer que esse é um território essencialmente feminino – profissionais do sexo masculino na área podem ser contados nos dedos, pois o desafio de manusear um bebê com cerca de 15 dias de vida assusta muitos homens.
Entre as pioneiras no segmento de newborn no Brasil, no qual atua desde 2011, a fotógrafa Laura Alzueta também trabalha com ensaios de gestantes e de famílias. Ela comenta que essa área exige muita paciência, calma e persistência e até um pouco de jogo de cintura na hora do ensaio não apenas com os bebês, mas também com os pais – além, é claro, do instinto materno, a vantagem feminina que faz tantas fotógrafas se encantarem com o nicho.
“Os homens por natureza são ativos, e muitos se destacam em áreas da fotografia que têm ação e movimento, não que as mulheres não sejam capazes de se inserirem nesse meio. Outra parte importante do ensaio de newborn é saber acalmar o bebê, e aí vem a parte de amamentação, algo difícil (principalmente no começo) e não tão intuitivo quanto parece para a mãe. Diante disso, a profissional mulher se sai melhor por ser algo naturalmente feminino”, afirma ela.
Laura Alzueta comenta que muitas profissionais têm migrado para o mercado fotográfico em busca de mais flexibilidade para equilibrar o trabalho com a rotina de casa, filhos e outros compromissos, abandonando o comprometimento com um emprego formal. Nesse ponto, o segmento de newborn, assim como o de família em geral, tem uma grande afinidade com o universo feminino.




Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 290