Dos alemães, italianos, judeus e poloneses, no início do século 20, aos espanhóis, japoneses, russos, árabes e, mais recentemente, senegaleses, que vieram se juntar a portugueses, índios e negros de séculos atrás, o Rio Grande do Sul é um reflexo da mistura étnica e cultural que caracteriza o Brasil. Para expressar essa multiplicidade, Eurico Salis concebeu o livro Cultura e Identidade, composto de retratos captados em campo e dentro de estúdio, em viagens pelos quatro cantos do Estado.
Esse volume conclui uma trilogia, iniciada com O Solo e o Homem, de 2013, e Homens e Máquinas, lançado em 2017 – três publicações financiadas por meio de leis de incentivo à cultura. Desde 2000, Salis trabalha exclusivamente em projetos fotográficos de cunho cultural e na concepção dos próprios livros. Ele mesmo é quem cria o projeto, capta os recursos, faz as fotos, acompanha o processo de impressão na gráfica e coordena a divulgação.
Em uma iniciativa inovadora, o livro foi transposto para o formato de áudio. As fotografias são descritas, permitindo a portadores de deficiência visual uma forma de acesso à obra. Com formato de 27 x 30 cm e 192 páginas, está em processo de lançamento, iniciado em Porto Alegre (RS), em abril de 2019, com abertura de uma exposição no Memorial do Rio Grande do Sul – Eurico Salis planeja rodar por cidades do interior gaúcho realizando sessões de autógrafo. Cultura e Identidade pode ser folheado e “escutado” no site do fotógrafo: www.euricosalis.com.br.
Planejamento para encontrar os personagens
Os retratos reunidos no livro mostram a variedade de etnias não apenas por meio dos traços físicos, mas também por vestimentas tradicionais. Para obter essas imagens, Salis frequentou festividades e retratou grupos que buscam manter vivas as tradições de seus antepassados.
Mas, antes de sair a campo, ele fez pesquisas prévias em jornais, revistas e internet, além de entrevistas e conversas – ao mapear o Estado, descobriu lugares escondidos e comunidades esquecidas. Foi o planejamento prévio que permitiu que suas viagens resultassem em retratos cujos personagens parecem sintetizar as origens principalmente por meio dos trajes que usam.
O fotógrafo conta que não houve qualquer produção de figurino e que quis, ao contrário, tentar captar uma ligação íntima entre o retratado e sua vestimenta. “Não gosto de inventar personagem. Todos os que estão vestidos com roupas tradicionais costumam usá-las em seus grupos de danças e de folclore, são pessoas que têm contato com suas culturas semanalmente. Ninguém se fantasia de imigrante, nem os cenários
são montados”, frisa ele.
Formado na fotografia analógica P&B, Eurico Salis diz que o sistema digital trouxe muitas possibilidades, novidades no processo, oportunidades para expandir o raio dinâmico das tonalidades, criar presets próprios sem usar filtros preconcebidos de aplicativos. “Temos que aproveitar para evoluir com a tecnologia que está aí”, ensina. Atualmente, conta com duas DSLRs Nikon, a D800 e a D850, com as objetivas 18-35 mm f/3.5-4.5, 24-120 mm f/4, 80-200 mm f/2.8 e 150-600 mm f/5.6 – na época do filme, usava uma médio formato Pentax 67. Leva também um tripé de fibra de carbono da marca Induro e um monopé Manfrotto.
Um olhar pode dizer tudo
Para Eurico Salis, o aspecto fundamental de todo retrato reside em captar o olhar do outro, mas, para que esse olhar seja revelador e tenha profundidade, é preciso haver empatia entre o fotógrafo e o fotografado, se possível por meio de uma conversa que preceda a foto ou a sessão de fotos. Quanto maior a cumplicidade, maior tende a ser a força do retrato. “O olhar diz tudo. Até mesmo na rua, quando você passa por alguém e faz um clique, ali se estabelece, num momento fugaz, uma cumplicidade. É da natureza do ser humano. O fotógrafo pode estimular o olhar do outro, pode instigar o personagem a ceder sua intensidade num olhar. Só não pode fotografar um olhar vazio. É uma imagem sem conteúdo, sem narrativa”, define.
Para ter controle total sobre a luz nos retratos que faz, ele só fotografa em arquivo RAW e no modo manual. “Uso muito o rebatedor, porque gosto de me posicionar contra a incidência da luz. Uso flash muito raramente. Prefiro uma iluminação contínua em ambientes que exigem mais luz. Utilizo bastante também o tripé porque fotografo em baixa velocidade, ISO baixo e com diafragma mais aberto. Na hora do clique, prendo a respiração. Já virou cacoete”, brinca ele.
Ele mesmo faz a “revelação” digital dos arquivos no programa Adobe Camera Raw, realiza ajustes via Photoshop e envia para um estúdio de finalização. Feita a edição de textos e arte, o livro vai para a gráfica. Aí vem a última etapa do fluxo de trabalho do fotógrafo: o acompanhamento da impressão dos livros. “Sempre participo de todo o processo, inclusive na pré-impressão e impressão. Nada acontece sem minha participação e revisão”, observa.
Um gaúcho da fronteira
Eurico Salis nasceu em 1959, em Bagé (RS), região de fronteira com o Uruguai. Começou a fotografar na adolescência e logo montou um laboratório P&B, onde revelava e ampliava seu material. Em 1982, mudou-se para Porto Alegre (RS), já tendo a fotografia como profissão.
Após anos fotografando para capas de discos de bandas de rock e produzindo fotos editoriais e publicitárias, viveu por um tempo na Itália e nos Estados Unidos até retornar à capital gaúcha em 2000. “Abandonei em definitivo a publicidade e o estúdio para me dedicar exclusivamente a projetos sob encomenda e a publicar livros de fotografia”, conta Salis.
Para conseguir viabilizar financeiramente esse novo caminho, ele se dedicou a estudar as leis de incentivo à cultura estadual e federal. Com isso, passou a conceber os próprios projetos. Também atua como captador, o que acaba sendo um ponto forte, dado seu envolvimento afetivo no trabalho. “Muita gente me dizia que eu deveria fazer a apresentação do projeto porque levava com muita emoção o que estava criando e deveria passar isso aos empresários. Então, virei captador. Acho que sei vender o peixe”, assume o fotógrafo.