Ruas praticamente vazias, pessoas andando desconfiadas. A pandemia do novo coronavírus espalhou medo e tensão, transformando de maneira significativa o cenário da fotografia de cena de rua, pelo menos por enquanto. Essa é a conclusão tirada por Gustavo Minas, fotógrafo de 38 anos nascido em Cássia (MG) e atualmente baseado em Brasília (DF). Para ele, houve uma mudança de mentalidade e de sentimento que afetou diretamente o prazer de flanar, força motriz da fotografia em busca de flagrantes ou de cenas que o olhar descobre nas ruas.
Minas atualmente é um dos fotógrafos mais destacados do Brasil no segmento – que tem no francês Henri Cartier-Bresson uma das maiores referências em todos os tempos. Formado em Jornalismo, atua profissionalmente como jornalista de texto. Em paralelo, leva uma carreira de fotógrafo de cena de rua desde 2009, quando foi introduzido nesse universo ao frequentar o curso anual ministrado pelo lendário Carlos Moreira, que infelizmente morreu no último dia 11 de junho aos 83 anos (veja nota na seção Grande Angular).
Os cursos de formação dados por Moreira no M2 Studio, escola de fotografia fundada em parceria com Regina Martins em São Paulo (SP), em 1990, ajudaram a moldar o olhar de muitos jovens fotógrafos. Eram organizados em dois semestres, o primeiro dedicado a apresentar os clássicos e a fotografia em P&B e o segundo voltado a fotógrafos contemporâneos, com ênfase na fotografia em cor. Gustavo Minas se recorda de uma definição sempre repetida pelo mestre: fotografia é ficção. “Isso me deu a consciência de que eu não precisava depender de fatos interessantes para fazer fotos interessantes. Ao contrário, o banal deveria ser a matéria-prima a ser trabalhada e transformada por meio do olhar, da luz e do enquadramento”, define.
Espontaneidade comprometida
Com relação ao estilo de abordagem na fotografia de cena de rua, Gustavo Minas busca ser discreto, mas nem sempre consegue passar despercebido. Quando “descoberto” no ato de disparar a câmera, não fica constrangido, tenta passar tranquilidade para as pessoas que enquadrou. Eventualmente, quando sente alguma reação tensa, dirige-se à pessoa e explica o que está fazendo, apagando a foto caso ela peça. “Todas as minhas cenas são espontâneas, mesmo quando me notam e me encaram. Vira e mexe, alguém me pede para ser fotografado. Então paro para conversar, mas raramente gosto do resultado final desses retratos posados. Acabo enviando para quem pediu, mas nunca publico como trabalho autoral”, conta.
Para Minas, seu segmento foi especialmente afetado com a pandemia do novo coronavírus. Em um primeiro momento, as ruas ficaram completamente vazias. Depois de um tempo, com a reabertura gradual do comércio, as pessoas passaram a sair de casa protegidas com máscaras e ressabiadas. “As ruas vazias passam uma sensação maior de insegurança quando saio para caminhar. Também há uma tensão maior no olhar das pessoas, e sinto uma desconfiança maior em relação a alguém com uma câmera. Quando me aproximo de alguém sem máscara, percebo que a reação dessa pessoa é colocar a máscara imediatamente, como se eu estivesse ali para denunciar isso”, relata.
Para além das aparências, Gustavo Minas detecta uma mudança de mentalidade que o leva a questionar o sentido da fotografia feita nas ruas, já que está difícil manter a leveza inerente a essa atividade, movida pelo prazer de deambular. “Por conta desses tempos meio apocalípticos, e pela consciência desse momento histórico, acho que tenho me preocupado mais em descrever os fatos que vejo, o que não faz parte das minhas preocupações normalmente”, repara.
Investimento de longo prazo
Gustavo Minas fotografa em cor e tem como principais inspirações alguns mestres da fotografia de rua colorida: o austríaco Ernst Haas, o belga Harry Gruyaert, o russo Gueorgui Pinkhassov, os americanos Saul Leiter e Alex Webb e, claro, Carlos Moreira, que também fotografou em P&B. Como equipamento, usa uma mirrorless Fujifilm X-Pro3 acompanhada quase sempre da lente fixa de 27 mm (equivalente a uma 41 mm em câmera full frame). Lança mão eventualmente de outra fixa de 35 mm e de uma zoom de 18-55 mm.
Para Minas, a fotografia de rua ainda representa mais um investimento do que um sustento. Ele dá oficinas de fotografia e faz frilas como fotógrafo, mas o que permite pagar as contas do mês é o trabalho fixo como jornalista. Essa situação o deixa bastante preso a uma rotina diária, mas, por outro lado, totalmente livre para fotografar o que bem deseja, sem ter que cumprir pauta ou briefing. “A fotografia de rua é um projeto de longo prazo, que dificilmente dá resultados imediatos, como dinheiro ou reconhecimento. É essencial curtir de verdade o caminho, estar na rua, ver o movimento das cidades e saber que nem todo dia rola foto boa. Caso contrário, você se frustra e rapidamente para, e seu trabalho não chega a amadurecer e a ter consistência”, explica.
Em anos recentes, houve um boom de coletivos de fotógrafos de cena de rua, fenômeno que atesta o crescimento global do interesse pelo gênero. Gustavo Minas faz parte de dois coletivos, um internacional, o Burn My Eye, e um brasileiro, o Flanares. Ele avalia que os coletivos acabam se limitando a uma interação puramente virtual, mas constituem um importante espaço de debate e troca, sobretudo para uma atividade praticada quase sempre de maneira solitária.