Enquanto o Pantanal ardia em chamas, consumido pelas maiores queimadas já registradas nesse bioma, o fotógrafo João Paulo Guimarães, um dos primeiros a chegar à região, divulgou um relato que chamou a atenção pela tristeza e desolação. “Do lado de fora, vejo a calamidade. Perto de Poconé (MT), focos de incêndio. A fumaça e a velocidade do ônibus atrapalham, mas aperto o olhar e avisto uma cena brutal. O corpo duro e sem vida de uma jaguatirica. Grito para pararem o ônibus e desço para fotografar. O ar é pesado. Os olhos do animal brancos e a língua de fora, como se tivesse tentando sorver o pouco que ainda restava do ar do Pantanal”.
Publicadas originalmente no site da ONG Repórter Brasil e acompanhadas de fotografias de animais mortos ou desnorteados pelo fogo, as palavras de Guimarães se alastraram na mesma velocidade dos incêndios, sendo republicadas em diversos portais de notícias. As queimadas, que historicamente ocorrem na época de estiagem, aumentaram muito em 2020 por obra de fazendeiros da região para aumentar áreas de pastagens, como foi comprovado por investigações da Polícia Federal. Para o fotógrafo, a atmosfera seca, poeirenta e esfumaçada lembrou histórias sobre o fim do mundo.
João Paulo Guimarães vive em Belém (PA) e resolveu ir até o Pantanal para ver de perto a situação assim que tomou conhecimento das primeiras notícias sobre os incêndios. Ele conta que não conseguia mais ficar em casa. Comprou com milhas um bilhete para voar da capital paraense até Cuiabá (MT) e, de lá, desceu de ônibus para Porto Jofre (MT), atravessando a Rodovia Transpantaneira.
Ainda existe otimismo
Durante o tempo em que permaneceu na região, hospedado em Porto Jofre, Guimarães teve suas retinas saturadas pela destruição. Ele fazia saídas diárias na Transpantaneira, a partir da qual realizava incursões para fotografar os focos de queimadas. Teve a ajuda do jornalista Leandro Barbosa, que conheceu no local. “Ele me ajudou demais com caronas e conselhos. Graças a ele, pude desenvolver o trabalho divulgado nas redes sociais e em veículos de comunicação”, explica o fotógrafo.
Por viver na Amazônia, Guimarães tem sentido de perto esse movimento de avanço da destruição predatória. Não hesita em imputar ao atual governo grande parte da responsabilidade pelo que está ocorrendo. “A demarcação de terras indígenas é lei. Antes desse governo, existia uma sensação de que as coisas demoravam, mas aconteciam. Existia diálogo e entendimento. Antes o fazendeiro queimava e grilava as terras, mas a fiscalização era real. Existia a corrupção, mas também existia a punição e as multas. Agora não, é claro o projeto de desarticulação e desmantelamento dos órgãos como Ibama e ICMBio”, denuncia.
Apesar do cenário sombrio no presente, Guimarães não perde o otimismo. O retorno positivo que recebeu depois de seu relato ter viralizado demonstrou a ele que muitas pessoas realmente se importam com a preservação do meio ambiente e sentem a necessidade de fazer algo para conter o avanço da destruição. “Ainda tem muito carinho e gente solidária nas redes sociais, não apenas as hienas e os robôs das fake news. O Pantanal é um tema que pode nos unir de novo. Parece ingênuo, né? Mas ainda acredito”, garante.
Nascido em Abaetetuba (PA), o fotógrafo de 41 anos começou na publicidade. Em 2008, migrou para a fotografia social, fazendo ensaios infantis, de casais e cobertura de eventos na capital paraense. Esse movimento despertou nele o interesse pela cena urbana, o que acabou direcionando sua carreira para o fotojornalismo e o documental. Atualmente, ele é um profissional independente e atua como freelancer, desenvolvendo as próprias pautas e vendendo para agências, como France Press e Associated Press, e para veículos de comunicação, como The Guardian, O Globo, UOL e Repórter Brasil. Paralelo a isso, faz uma documentação de longo prazo sobre a Amazônia. E tem ainda um lado militante, colaborando com canais alternativos, como Mídia Ninja e Jornalistas Livres, para mostrar assuntos que não entram no radar da chamada “grande mídia”.