Orlando Azevedo nasceu em 1949 na Ilha Terceira do Arquipélago dos Açores, território de Portugal, mas está radicado em Curitiba (PR) desde 1964. Foi lá que ele desenvolveu sua trajetória como fotógrafo, com uma obra focada em mostrar as diversas facetas do País, caso do mais recente trabalho, o livro Mestiço – Retrato do Brasil, que acaba de ser finalizado. Nele estão reunidos 340 retratos de gente das mais variadas origens e etnias.
Essa é uma nova etapa do projeto Expedição Coração do Brasil, que começou em 1999 e rendeu outras cinco publicações: a trilogia Homem, Terra e Mito, lançada em 2002, e os volumes dedicados ao Paraná, de 2008, e à região do Lagamar, zona de Mata Atlântica preservada na divisa entre São Paulo e Paraná, de 2012. “A expedição nasceu de um antigo sonho, ainda nos anos 1980, de percorrer o Brasil para mostrar seu lado oculto e o culto a seu contraditório”, conta Orlando, com verve poética. Desde essa época, ele rodou cerca de 90 mil km viajando de jipe e, sempre que possível, por estradas alternativas às grandes rodovias.
Os retratos de Mestiço, todos em P&B, foram feitos ao longo das viagens para a expedição, sendo que os mais recentes são de 2018. São todos personagens “anônimos”, pessoas que Orlando conheceu na jornada, a maioria fruto de encontros casuais. “Esses personagens são meus heróis da resistência. São retratos de extrema cumplicidade e fraternidade”, define.
Ligação visceral para fotografar
Para Orlando Azevedo, fotografia tem a ver com vivência e proximidade. Por isso, os trabalhos que mais atraem sua atenção nascem de uma ligação visceral dos fotógrafos com os temas que retratam. Justamente por conta de seu estilo de abordagem, tem nos retratos uma parcela significativa e potente de sua obra. Para ele, o retrato deve ser sempre o resultado de uma relação de profundo respeito, uma cumplicidade que se constrói e parece abolir as fronteiras que separam o fotógrafo do retratado. “Um retrato não mente jamais. Ou é de verdade ou não vale nada. É olho no olho. Sempre peço antes de fazer a foto e, se o olhar consentir e permitir, o retratado é a partitura que está sob sua regência”, compara.
“O digital trouxe uma facilidade extra para esse relacionamento, dada a possibilidade de se mostrar o resultado na hora. Com isso, os laços de confiança e apreço são mais facilmente atados”, diz ele. Para Orlando, o segredo de um bom retrato não está no método de trabalho, mas na energia que flui. “Retrato é o ato pleno da fotografia, seu palco e sua arena. Intimidade e magia, a hora da verdade, mesmo que seja para desconstruir. É um mergulho profundo num outro mundo e exige concentração no personagem, eliminando ruídos, fundos indesejáveis e trabalhando com pouca profundidade de campo”, ensina.
O livro, segundo Orlando, reúne retratos realizados “do Oiapoque ao Chuí” e a proposta é traçar um amplo panorama da variedade de origens e de mestiçagens estampado nos rostos e nas feições dos brasileiros fotografados. A seleção das imagens foi realizada por ele mesmo, em constante diálogo com amigos que admira e nos quais tem plena confiança: Marcelo Buainain, Tadeu Vilani, o designer Rafael Slomp de Azevedo, seu filho (que diagramou o livro) e seu assistente, Miguel Gonçalves, que trabalha com ele há 24 anos.
Apesar de contar com 14 livros publicados, ele encara cada nova obra com o cuidado e o carinho que se tem ao acompanhar o nascimento do primeiro filho. “Quando o livro vai rodar na gráfica, a adrenalina corre solta com o filho que vai nascer. Logo, o acompanhamento é essencial. Tem que dormir na gráfica e olhar cuidadosamente cada entrada para evitar surpresas desagradáveis. O livro tem uma pegada em que a qualidade é determinante. É uma obra de arte, não um panfleto de propaganda”, defende.
Produção com dois heterônimos
Se fosse para fazer um retrato em profundidade de Orlando Azevedo, o resultado seria heterogêneo e talvez contraditório. Como sua produção é diária e obsessiva, ele criou dois heterônimos, que ajudam a dar vazão à sua verve fotográfica. “Resolvi adotar dois outros heterônimos, Jacob Bensabat e Yury Andropov, cada qual com uma diretriz. Andropov se concentra em abstrações, signos e texturas. Já Bensabat é o fotógrafo das estranhezas e da beleza rude”, explica.
A inspiração parece ter vindo de Fernando Pessoa, seu poeta predileto, cuja mãe também nasceu na Ilha Terceira do Arquipélago dos Açores. É ainda de maneira poética que ele se refere à criação fotográfica. “É um desafio constante fazer da vida uma fotografia, que em seu intenso labirinto une e reúne a adaga e a saga. Não acredito em inspiração, mas em transpiração e conspiração”, diz.
O livro Mestiço – Retrato do Brasil está programado para ser lançado em agosto de 2019. Tem prefácio do jornalista e escritor Eduardo Bueno e 314 páginas em edição bilíngue. Pode ser adquirido diretamente pelo site da Editora Voar (www.voar.art.br), pelo preço de lançamento de R$ 100.
Dos químicos ao smartphone
A relação de Orlando Azevedo com a fotografia em P&B é antiga e, como em muitos casos, da ordem da alquimia e da mágica. “Meu primeiro curso foi do Instituto Universal e por correspondência. Com treze anos já revelava. O grande tesão era a expectativa de olhar o filme. Depois, o copião e sua marcação, as cópias de serviço até prints definitivas. Usava dois reveladores e dois fixadores, sempre com eliminação de químicos deteriorantes e oxidantes”, recorda.
Ele diz que sente necessidade básica de fotografar diariamente. Nesse exercício contínuo, não há hierarquia de equipamento: usa vários modelos de câmera e fotografa muito com smartphone. Tem em seu arquivo físico cerca de 160 mil fotos em variados tipos de filme, desde 35 mm até 4 x 5 polegadas. Atualmente, faz quase tudo em digital, capturando em RAW e JPEG, dependendo da situação. Já conversões para P&B ele mesmo realiza. “Uso como laboratório digital o Silver Efex Pro, cujo resultado é excelente. Nem me vejo mais sem trabalhar com esse plugin do Photoshop, pois é muito potente, eficiente e gratuito”, comenta. Após o tratamento, grava as imagens em TIF, formato sem compressão.
Orlando conta que gosta de chegar perto daquilo que fotografa. Por essa razão, prefere objetivas de menor distância focal. Quando fotografa com filme, algo raro atualmente, leva duas Leica, a R6 com objetiva de 60 mm macro e a M6 com a 35 mm. No digital, usa uma Canon EOS 5D Mark II com objetiva 24-70 mm f/2.8. Por vezes, tem nas mãos uma mirrorless Sony Alpha a6000 com objetiva 50 mm. E, embora não haja nenhum retrato feito com smartphone em Mestiço, ele conta que usa seu iPhone com muita frequência e já tem cinco projetos de livros apenas com fotos feitas com o aparelho.