Quando se pensa em retrato, o rosto é sempre o foco. Mas um bom retrato pode explorar outros ângulos quando se quer contar uma história. Até pessoas de costas entram nessa escolha, como fez o fotógrafo Robério Braga na série Tranças Afrodescendentes, que reúne retratos de mulheres negras de costas com a intenção de valorizar os penteados afros realizados pela trançadeira Mariana Desidério.
Ele posiciona as modelos tendo construções barrocas da Bahia com o fundo com o objetivo de forjar um diálogo entre as duas artes construídas em grande medida por mãos negras, a arquitetura do Barroco brasileiro e os penteados afros. A luz entra como um elemento fundamental, pois é uma iluminação construída por Braga tendo em vista a proposta do projeto.
A primeira referência a surgir no horizonte do fotógrafo foi o trabalho do nigeriano J. D. Okhai ´Ojeikere, cuja principal marca são fotos de penteados afros, em geral realizadas diante de um fundo neutro. “Fiquei hipnotizado pela força daquele trabalho e comecei a imaginar como poderia fazer algo sobre o tema, mas com a minha assinatura. Pesquisei e fotografei tranças na cidade de Cachoeira, no recôncavo baiano, em Salvador fiz registros no bairro do Curuzu, no Pelourinho e na Ribeira”, conta.
A parceria e a luz pontual
A proposta ganhou corpo quando Robério Braga conheceu a trançadeira Mariana Desidério, formada em Artes Plásticas. “Além de artista, Mariana é pesquisadora e trouxe um repertório incrível de penteados para o projeto. As tranças dela são diferentes de todas as outras. A precisão, a simetria, o traço, a harmonia, esses elementos a diferenciam. Acompanhei o delicado e demorado trabalho de trançado em seu salão, sempre pensando na história por trás daquilo. Enquanto ela trançava, minha cabeça passeava pela colonização das Américas, os escravos vindos da África, os colonizadores europeus…”, vislumbra o fotógrafo.
Foi então que ele inseriu o último elemento para a série: a arquitetura barroca. Ao sobrepor os trançados das modelos com o ambiente de igrejas barrocas baianas, colocou em movimento duas referências fundamentais no violento processo de transplante da cultura negra para o Brasil. Os trançados são um elemento da cultura corporal africana enquanto as igrejas barrocas da Bahia são símbolo do poder da igreja e dos colonizadores na época – mas ambos feitos pelas mãos dos negros.
Para juntar os dois elementos, Braga concebeu uma luz inspirada no Barroco, pontual e bastante contrastada, que guia o olhar para o tema, conferindo volume por meio do claro-escuro. O fundo é subexposto em relação ao primeiro plano e o controle dos tons é primoroso, evitando a perda de detalhes na baixa luz. Fez sozinho, sem ajuda de assistente, e optou por usar flashes compactos Canon EX 600RT com softboxes.
“A luz barroca é quase sempre de fonte única. Porém, apesar de traduzir essa sensação, na realidade utilizei duas ou três fontes secundárias. Como se tratava de cabelo preto trançado, precisava imprimir brilho na superfície dos fios das tranças para que ficassem harmônicas e bem delineadas, separadas umas das outras. Olhando as fotos com lupa, vê-se que existem reflexos brancos nas curvas. São os softboxes refletidos no brilho de cada curva de trança”, explica.
Controle de desfoque
O uso de uma DSLR Canon EOS 5 DS com os flashes dedicados da marca permitiu obter sincronismo mesmo nas velocidades de obturação mais rápidas. O disparo dos flashes remotos foi feito por transmissor via rádio. “Uma coisa maravilhosa foi poder utilizar altas velocidades de obturação em conjunto com os flashes. Foi assim que consegui equilibrar o fundo e escolher o campo focal na lente ao mesmo tempo, chegando a usar 1/8.000s com diafragma f/2.8 em pleno sol da Bahia. Pude definir o desfoque dos fundos com precisão, caso a caso”, comenta.
As imagens foram capturadas em cor para posteriormente serem organizadas e tratadas no Lightroom pelo próprio fotógrafo. “Como estudei e planejei o uso dos flashes, equilibrando as luzes e fazendo o enquadramento com precisão, deixei para o tratamento basicamente o ajuste de brilho e contraste. Em alguns casos, apliquei vinhetas para escurecimento das bordas”, informa.
A série Tranças Afrodescendentes foi finalista no Black & White Photography Awards 2018, organizado pelo site Lens Culture. No mesmo ano, ficou em terceiro lugar na categoria Ensaio da Convocatória Portfólio em Foco, do Festival Paraty em Foco. Robério Braga conta que está preparando um livro para meados de 2020, no qual pretende refletir sobre as origens e a evolução desses penteados até os dias de hoje. “É um trabalho grande de pesquisa, que talvez provoque alguma polêmica, pois estou encontrando evidências que contradizem o imaginário coletivo a esse respeito”, diz, em tom de mistério.
Nascido em Salvador (BA), ele se define como um fotógrafo “impressionista”. Queria ser pintor por influência de seu avô, Mendonça Filho, célebre pintor baiano que foi diretor da Escola de Belas Artes, na Universidade Federal da Bahia. “Como não nasci com esse dom, o desejo ficou guardado. Aos 16 anos, o amigo Lúcio Neto me mostrou uma Pentax K1000 e, apesar de achar a câmera muito complicada, fotografei um gafanhoto que estava ao meu lado. Descobri que seria a minha maneira de pintar”, explica.
Criador de produtora de sucesso
Robério Braga iniciou a trajetória profissional ainda em Salvador, como assistente do fotógrafo americano Mush Emmons. Mudou-se para São Paulo em 1995 com uma ideia fixa na cabeça: tornar-se diretor de fotografia de cinema. “Passei por vários estágios: enrolador de cabo, vídeo assist, assistente de câmera, foquista, operador de câmera e, enfim, diretor de fotografia. Apesar de ter atingido a meta, me afastei da fotografia still por um bom tempo”, diz.
Ele foi um dos sócios criadores da Maria Bonita Filmes, produtora nascida em 2003, onde atuou como diretor de fotografia e diretor de cena. A empresa começou fazendo filmes comerciais e logo expandiu a atuação para produção de conteúdo. Em 2010, foi a primeira produtora brasileira a fazer uma série para a Netflix, intitulada 3%.
Um encontro que marcou sua vida foi com o diretor de fotografia francês Jean-Benoît Crépon, de quem foi assistente. “Ele chegou logo dizendo: ‘mon amie, esquece a técnica, o importante é a poesia’. É bom deixar claro que estou falando dos anos 90, direção de fotografia em cinema, com película 35 mm, em grandes sets de filmagens, com inúmeros profissionais envolvidos. Como esquecer da técnica naquelas condições? Com o tempo decifrei o que ele queria me dizer: conheça muito da técnica, até que ela se torne automática como um reflexo, para que você relaxe e deixe a poesia da luz tomar conta”, relembra.
Em 2012, a Maria Bonita Filmes encerrou as atividades e Braga passou a se dedicar com intensidade cada vez maior à fotografia. Voltou a morar em Salvador, mas com três filhos vivendo na capital paulista, retorna com frequência.