Nascido em uma família ligada ao teatro, Jorge Bispo, 43 anos, desde cedo teve contato com os bastidores da cena teatral. Isso deu a ele um importante elemento para o sucesso como retratista, que reside na capacidade de comunicar-se com o outro e gerar empatia. “O teatro me ajuda muito na relação com o retratado. Facilita a troca, esse momento do fotografar. Um jogo entre duas pessoas. Teatro é bom de modo geral para o ser humano, e acho que deveria ser cadeira fixa nas escolas”, observa Bispo.
O segundo elemento na formação de seu olhar veio da graduação em Artes Plásticas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bispo revela que gostava de gravura e se dedicou à litografia e à xilografia durante os anos de faculdade, mas nunca considerou que tivesse talento para produzir algo relevante nesses suportes. O curso lhe forneceu um complemento às aptidões adquiridas com o teatro: repertório visual, conhecimentos sobre luz, enquadramento e estética visual.
Mesmo explorando um tema único, a criatividade dele é percebida em diversos sentidos e abordagens. Seus trabalhos transmitem a vitalidade de quem está em constante mutação. Prova disso é que ele se sente à vontade tanto quando fotografa em estúdio como quando vai até o local em que vive o retratado. A escolha depende mais das circunstâncias de cada trabalho.
“Gosto de ter as duas possibilidades. Hoje em dia o que determina é o trabalho em si. Conceito, tempo, agenda, disponibilidade do retratado. Quando tenho as duas opções na minha mão eu costumo dizer que é a foto que escolhe. É natural. Sou muito orgânico e trabalho muito com o improviso e o acaso”, comenta.
Ele usa a Canon EOS 5D Mark IV acompanhada de três lentes fixas: 50 mm, 85 mm e 35 mm. Diz que a maioria dos retratos, cerca de 80%, é feita com a objetiva “normal”, a 50 mm, e estima que outros 15% sejam feitos com a meia-tele de 85 mm e apenas 5% com a grande angular de 35 mm.
Trabalha com uma assistente, que o acompanha a todo momento. Além da luz natural, utiliza um set básico de iluminação composto por uma tocha de flash Profoto B1 com um softbox Octa 3 e rebatedores. Uma vez incorporados, os aspectos técnicos são cada vez menos relevantes em sua fotografia. “O que sinto é que meus retratos estão cada vez mais simples nesse sentido. A prioridade total é a energia e a força da imagem”, afirma.
Ateliê em casa
Justamente por ter raízes no teatro, Jorge Bispo parece tirar sua força mais da espontaneidade do que da técnica. Faz retratos que exalam uma vitalidade ímpar. O segredo talvez esteja na criação do que ele chama de atmosfera. “O principal ponto é que o retratado tem de estar confortável. Trabalho num ateliê. Não é um estúdio padrão. É um apartamento com cara de casa. Não é um ambiente frio, sem vida, história e referências. Acho que toda essa atmosfera é fundamental para o retrato que tento fazer”, explica.
Seu estilo de direção, no entanto, não é de falar muito e dar indicações de poses ou maneira de se portar. Ao contrário: aposta na distensão do clima, deixar o retratado à vontade para que possa revelar a sua personalidade por meio de gestos espontâneos. “Gosto dos silêncios, dos detalhes. Minha direção é mais no intuito de deixar a pessoa se expressar e atuo mais nos detalhes. Dou muito valor à respiração e aos intervalos”, ensina.
Jorge Bispo formou-se em 2000 no Curso Abril de Jornalismo, voltado para recém-graduados nas áreas de texto, design, fotografia, vídeo e mídias digitais. Ele considera que foi uma experiência determinante na carreira, que fez com que se apaixonasse pela mídia impressa em papel. O curso também lhe abriu muitas portas no mercado editorial.
Diante dessa formação, vê com pesar a crise que levou a Editora Abril a pedir recuperação judicial, mas acredita que o papel não perdeu sua força. “É triste ver editoras que não conseguiram se reinventar. Mas o papel resiste em pequenas publicações e tiragens especiais. Há zines, livros e revistas independentes maravilhosos”, pondera.
Revista de arte
Um desses projetos independentes é do próprio Jorge Bispo, que em 2015 lançou a #1, revista de apenas 160 exemplares, numerados e assinados, vendidos a R$ 300 cada. Trata-se de um trabalho editorial e autoral, que está no meio do caminho entre as tiragens fine art exibidas em uma galeria e as páginas de uma revista comercial.
O primeiro número foi realizado a partir de um ensaio feito com a atriz Bruna Linzmeyer, que abriu mão do cachê em nome da cumplicidade na criação de uma obra pessoal. O projeto teve continuidade, com edições anuais, e está previsto para abril de 2019 o lançamento da #5, composta por um ensaio feito com Leandra Leal no carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro.
“Vai ser uma edição bem mais documental do que o meu trabalho em geral”, conta. “A revista é um espaço onde posso desenvolver ensaios longos e com calma, ao longo das 70 páginas. Não é algo que dê retorno financeiro, mas é fundamental para mim ter esse espaço. E quem vira fotógrafo pensando apenas em dinheiro fez a escolha errada”, acredita.
Música e TV
Um dos nichos que Bispo mais gosta de explorar é o da música. Realiza não apenas retratos como também a concepção visual completa de artistas, desde a capa do álbum até o videoclipe. Tem trabalhado com artistas consagrados, como os ex-titãs Paulo Miklos e Nando Reis, e também com nomes que emergiram nesta década, como Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Tiê, Rael e Mayana Moura.
As interfaces do trabalho de Bispo também se expandiram para a TV, a partir do ensaio Apartamento 302, que começou de maneira bastante simples, como uma série de retratos de corpo inteiro de mulheres e homens nus em frente à mesma parede branca. A ideia era experimentar a relação entre os retratados e seus corpos. Os retratos eram realizados com pessoas que não tinham o hábito de posar nuas. As imagens não passavam por qualquer tipo de retoque utilizado normalmente nas fotos desse gênero publicadas em revistas.
Os retratos foram postados em um blog de imagens na plataforma Tumblr. Os femininos acabaram gerando um livro artesanal. O trabalho despertou a atenção da produtora Dafina, que propôs ao fotógrafo a adaptação do ensaio para um programa de TV. A ideia foi comprada pelo Canal Brasil, que exibiu em 2015 a primeira temporada do programa “302” (sem o apartamento), dessa vez apenas com mulheres.
O sucesso foi tão grande que em 2018 gerou uma variante masculina, chamada de “502”. Em 2019, “302” está programado para estrear a sexta temporada em junho e “502” deve chegar à segunda temporada a partir de setembro. Cada série tem 13 episódios por temporada. O programa é inteiramente realizado pela equipe montada pela Dafina, no qual o fotógrafo entra com a concepção da ideia e com o ator, representando diante das câmeras as sessões de retrato.
Sem fronteiras
Jorge Bispo tem pouco mais de 110 mil seguidores no Instagram e 6.346 postagens. Os números dão uma ideia do potencial da rede social como ferramenta de divulgação e relacionamento direto com admiradores e clientes em potencial. “Tento entender e me comunicar com o mercado por meio do Instagram. O mercado ficou muito jovem de uns anos para cá. O Instagram é uma ferramenta fundamental de contato com clientes e parceiros. Também é um espaço em que posso publicar ensaios”, explica.
Exemplo disso é Lonabox, série de retratos de artistas usando tão somente uma lona de caminhão como fundo. O ensaio foi difundido originalmente via Instagram e depois ganhou uma versão impressa na forma de uma caixa contendo prints de alguns desses retratos. Da virtualidade das redes, o trabalho migrou para um suporte artesanal, bem ao gosto da atuação multimídia do fotógrafo.
Com uma trajetória consolidada, um portfólio invejável e uma marca própria, Bispo busca cada vez mais eliminar as fronteiras entre trabalho autoral e comercial. Muitos clientes o procuram exatamente por conta de seu toque pessoal. Assim, ele encontra uma forma de superar a dicotomia entre a criação artística e as demandas do mercado.
“Acho que é bom para os dois lados quando um cliente me contrata pela minha maneira de ver o mundo ou me financia pelas minhas ideias. Essa troca pode ser muito importante para o mercado e para o fotógrafo”, argumenta. E deixa um recado de alento para muitos que acreditam ser impossível conciliar trabalho comercial e autoral. “Quero muito acreditar numa fotografia mais orgânica e humana em todas as áreas e que se possa viver comercialmente dela”.