Junte um pouco de flores secas, alguns velhos tecidos, um tanto de tinta guache e coloque nessa fórmula um pouco da simplicidade da luz natural moldada com criatividade: terá retratos que vão muito além do conceito de iluminação criado dentro de estúdios profissionais. É assim, quase sem nenhum recurso, que a fotógrafa Tina Gomes, 44 anos de idade, moradora de um conjunto habitacional em Cidade Tiradentes, bairro suburbano da capital paulista, produz retratos de pessoas comuns como forma de expressão artística e terapia.
Tina tem como concepção criar imagens misturando a candura no olhar infantil (as filhas são as principais modelos dela) com elementos encontrados muitas vezes no lixo. Mãe solo de seis filhos, dinheiro escasso, muitas dores e perdas (esteve internada por dois anos após ser diagnosticada com transtorno esquizoafetivo, sofreu violência doméstica, fome e preconceito), ela usa a fotografia como redenção. O primeiro sinal de que está dando certo foi o contrato de parceria que ela assinou com a Canon Brasil no final de 2019 e os muitos projetos futuros que pretende fazer.


Sucesso, depressão e realidade
De personalidade inquieta, Tina Gomes foi tema de reportagem de Fotografe na edição 221, de fevereiro de 2015. Ela fotografava com um celular bem simples e divulgava o trabalho na internet. Foi assim que chamou a atenção de Rita Barreto, fotógrafa profissional que acionou um grupo de amigos e passou a ajudá-la com suporte em cursos e a doação de uma câmera. O passo seguinte foi ser descoberta nas redes sociais pelo jornalista Gilberto Dimenstein, do site “Catraca Livre”, que projetou o trabalho dela a ponto de Tina ganhar uma exposição no Conjunto Nacional, em São Paulo, no final de 2014. Mas a rápida ascensão a deixou confusa e insegura, sem maturidade para saber como lidar com a notoriedade repentina.
Com quadro de depressão, ela foi diagnosticada com transtorno esquizoafetivo. Os constantes ataques de automutilação fizeram com que precisasse ser internada. Com isso, a luz de Tina Gomes ficou apagada por dois anos. “Certo dia, resolvi que ia dar um basta naquilo tudo. Não me aceitava mais como dependente de psicotrópicos. Fui para casa, mandei colocar grades nas janelas e me tranquei em um quarto vazio por dias. Era uma desintoxicação necessária, que viria acompanhada da terapia com a fotografia”, explica Tina.
Nesse meio-tempo, Tina deu à luz o sexto filho, uma menina. Maria Flor, agora com 3 anos, veio para compor a equipe de modelos da casa, junto com Nicole Sofia, de 15 anos, e Angel, de 8 anos – as três meninas menores de idade que ainda moram com ela. Outros três filhos, que são do primeiro casamento, não moram com ela: Felipe (18), Vitor (22) e Vitória (24).
De volta ao mercado fotográfico, ela recebeu convite para atuar na área de decoração de interiores. Esteve com grandes arquitetos e se mudou da periferia para um prédio bacana no bairro da Moóca, na zona leste da capital paulista. Lembra que foram oito meses vivendo uma vida fake. “Tinha que ir de salto alto na padaria, precisava ser comportada e contida, não tinha carro de som esgoelando ’30 ovos por R$ 10′ na rua, enfim, meu dinheiro acabou e meu processo criativo ficou sufocado”, conta ela, em meio a gargalhadas.
Com isso, precisou voltar para o apartamento da periferia, a raiz de tudo, onde, segundo ela, podia exercitar sua arte entre o barulho do funk e o estrondo dos escapamentos das motos – era o lugar em que se sentia mais protegida, podia ser quem era, vasculhar o lixo para achar matéria-prima para as criações sem ser vista com maus olhos.


Arte com material acessível
É no pequeno apartamento de 40 m2 que Tina Gomes faz seus experimentos e cria retratos, buscando sempre um estilo próprio, mas inspirado na história da arte. Ela própria reformou o apê: derrubou paredes com o objetivo de abrir mais espaço para que a luz natural da janela pudesse penetrar melhor nos ambientes.
Na sala apertada, nasce a maioria das imagens. A restrição de apenas 1 metro de distância entre a fotógrafa e o modelo não impede que ela faça retratos com bastante variedade de cenários – em prol da arte, ela se viu obrigada a mudar também a decoração: pintou o chão de tinta escura e aplicou nas paredes texturas e cores inspiradas em arte barroca. Também produziu os próprios fundos, feitos a partir de lonas de caminhão, panos pretos e tecidos coloridos com muita tinta e materiais reciclados. Com um pincel ou com as próprias mãos, ela delineia traços, formando o efeito desejado.
O trabalho de criar figurinos é a tarefa principal para realizar os ensaios. Com um jeito engenhoso, extrai ideias com todo tipo de material que encontra. Em um instante cria um traje removendo o enchimento de uma almofada, colando a fibra siliconada em uma touca de banho para fazer uma peruca de marquesa barroca, compondo com um vestido feito com uma anágua velha. Outra invenção foi aproveitar a capa da almofada sem enchimento para fazer um figurino infantil, que foi combinado com arranjo de flores secas encontradas na rua a caminho da escola das filhas.
Além de figurinos feitos com papel-crepom, materiais recicláveis e tecidos, como tule e voal, Tina aplica a técnica de pintura corporal (ou body painting) nos modelos. Normalmente, a pintura é feita com tinta guache, aplicada com as próprias mãos, misturando cores e brincando com arranjos de cabeça feitos com flores de plástico e até um pé de alface. A pós-produção é via PhotoScape, Photoshop e PortraitPro para retoques na pele, sobreposições de fundos e ajuste de contrastes. “Fiz um ensaio diante da porta de madeira velha do banheiro comunitário aqui do conjunto habitacional. Harmonizei as cores do figurino da Angel e o resultado foi algo que lembra o estilo renascentista”, conta ela.



Convite de parceria e aulas em workshops
Com a retomada dos ensaios e as novas publicações nas redes sociais, Tina Gomes recebeu um e-mail da diretoria do marketing da Canon da América Latina, que estava de olho no trabalho dela havia tempo. O e-mail era um convite para que a fotógrafa se tornasse parceira da marca. “Na hora não acreditei. Depois que a ‘ficha caiu’, fiquei muito feliz e satisfeita pelo respeito que eles deram ao meu trabalho. Não é qualquer empresa que coloca uma esquizofrênica para trabalhar com eles. Agora tenho salário, tem arroz e feijão na minha despensa e comprei até uma lavadora para as roupas das meninas”, comenta.
A fotógrafa fechou contrato para ser mentora da comunidade “Mulheres Canonzeiras do Brasil”, atualmente com 10 mil membros no Facebook, além de dar workshops presenciais para os associados do Canon Professional Services (CPS), que geralmente ocorrem na Papaya Imagens, em um casarão na Bela Vista, região central da capital paulista.
Nos workshops ministrados para um grupo de 20 a 25 alunos, e com a ajuda do fotógrafo Marcos Nicolau Haddad, o “braço direito” dela, oferecido pela Canon, Tina Gomes ensina sobre direção, composição, luz natural e como cria os figurinos de baixo custo. Além disso, ela ainda conta com a ajuda de uma equipe de visagistas, modelos profissionais e tem suporte da Canon com equipamentos de ponta. Para conhecer mais produções dela e segui-la, acesse facebook.com/tininha.gomes.10.

