Para Alexandre Chaym, a criação fotográfica vai além do mero registro da “realidade”, ela se imbrica com a filosofia e com outras áreas do conhecimento. Vivendo em Curitiba, seu envolvimento com a fotografia se deu a partir de 2016, mas deslanchou mesmo em 2018, impulsionado por um curso realizado com o fotógrafo Nilo Biazzetto Neto.
Atualmente suas pesquisas estéticas giram em torno da busca de maneiras não convencionais de abordagem do real. Durante a pandemia, Alexandre Chaym pôde seguir à risca as recomendações sanitárias, realizando o isolamento em seu apartamento, período em aproveitou para ler bastante e passou a fotografar a rua desde a sua janela.
Uma das fotos produzidas naquele período, intitulada Contrastes, mostra uma mãe que puxa uma carroça para recolher materiais recicláveis e seu filho que ia atrás. A imagem é uma síntese das desigualdades sociais que assolam o país e que se fizeram ainda mais presentes naquele momento de emergência. É uma das finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023. Saiba mais sobre sua história e de seu autor na entrevista concedida abaixo:
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 51 anos. Sou carioca, mas moro em Curitiba e já morei em Fortaleza.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Nunca havia tido experiência com fotografia além do básico com telefones celulares até 2016. Comecei a pensar em fotografar por volta de 2015 principalmente porque as pessoas diziam que eu conseguia rapidamente detectar erros e coisas “fora de lugar”, então decidi explorar isso por meio de imagens. Aproveitei uma viagem ao exterior em 2016 para comprar uma câmera por lá, que tenho e uso até hoje. Comecei a estudar fundamentos da Fotografia e de operação de câmeras em cursos on-line já antes de viajar. Fiz um ou dois cursos presenciais de técnica fotográfica em Fortaleza, onde morava na época. De vez em quando saia alguma imagem um pouco mais interessante, mas eu não sabia perceber com clareza suficiente o que distinguia uma foto “boa” de uma “ruim”. Fiquei quase dois anos patinando nisso.
Voltei a morar em Curitiba em 2018 e uma das minhas primeiras providências foi procurar uma escola de Fotografia. Matriculei-me na Escola Portfólio e comecei um curso chamado “Liberdade Fotográfica”, ministrado pelo Nilo Biazzetto Neto, que foi o primeiro grande marco para mim. Foi quase um ano num oceano de referências, de desafios e de convívios com alunos e professores muito talentosos. Em meados de 2019 dei outro passo, que foi iniciar uma “mentoria artística” presencial com Silvio Crisóstomo que durou pouco mais de um ano. Estudamos as mais variadas referências e métodos das Artes Visuais, imagéticos e teóricos – foi quando a coisa toda começou a ganhar possibilidade e sentido para mim e tive coragem pela primeira vez para mandar algumas fotos para concursos.
Um outro evento transformador ocorreu em 2021, que foi a seleção para residência artística promovida pelo Canela Instituto de Fotografia e Artes Visuais com a organização do Fernando Bueno e mentoria do artista e curador André Severo visando gerar imagens para um livro e acervo do Instituto Cultural Laje de Pedra. Em junho de 2022 fui selecionado para integrar o grupo do Laboratório de Pesquisa de Filosofia da Fotografia (LabFotoFilo) da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, sob a condução do Prof. Dr. Guilherme Ghisoni da Silva, no qual estou até hoje.
Para mim, a Fotografia começou como uma curiosidade sobre o que eu poderia detectar de pitoresco no dia a dia, rapidamente passando a ocupar um ponto de entrada para as Artes Visuais, evoluiu para ser um meio de expressão e de autoconhecimento e vem acumulando o status de ponto de apoio para minhas curiosidades sobre Estética, Filosofia da Linguagem, Semiótica, Psicanálise e Cinema.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Essa fotografia foi feita no início da pandemia de COVID-19, num momento que o isolamento social já estava intenso aqui em Curitiba. Eu respeitei ao máximo essa orientação e passei muito tempo praticamente fechado em meu apartamento. Uma das táticas que usei para não enlouquecer foi fotografar. Passava bastante tempo lendo e me distraia olhando para a rua, com a câmera na mão ou no tripé.
Numa dessas vezes, vi a mulher puxando a carroça. Pelo gestual ela às vezes me parecia transitar entre a raiva e o desconsolo. Isso já fez surgir um sentimento que não consegui distinguir de vergonha por eu poder me isolar, o que era negado a ela a criança que estavam expostos a um mal desconhecido que pairava e que já se sabia fatal. A criança estava sempre cabisbaixa, imóvel, apenas balançava um pouco com o movimento, o que me despertou uma enorme tristeza e sensação de opressão.
Fiz muitas fotos e ensaios da sacada do meu apartamento durante esse período, mas essa sempre me voltava aos olhos, de um modo ou de outro, e me lembrava do meu privilégio. Fui internado com COVID no ano seguinte, recebi um ótimo tratamento e me livrei das sequelas após seis meses. Depois disso, essa foto se tornou para mim uma lembrança da covardia perpetrada contra milhões de brasileiros, fatal para mais de 700.000 dos nossos, e cuja punição legal e política não pode ser abrandada, muito menos esquecida ou anistiada.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Estou há um ano sob forte influência dos estudos de Filosofia da Fotografia do LabFotoFilo. Um dia decidi “desafiar” empiricamente algumas teorias clássicas sobre o estatuto artístico da Fotografia e também me colocar no sentido oposto do vetor da indústria, que busca sempre o aprimoramento do aparelho com a intenção de representar o que comumente (mas muito apressadamente) é chamado de “realidade” de modo cada vez mais preciso e inequívoco.
Assim, estou mais envolvido não com um projeto propriamente dito, mas com um modo de ver e de usar o equipamento fotográfico que tenho chamado de “Caderno dos Sonhos”, no qual altero o projeto ótico de objetivas manuais, não necessariamente feitas para máquinas fotográficas, e que no momento está com um forte viés pictorialista. Tenho também uma atividade contínua de fotografia de instrumentos musicais produzidos para um amigo luthier que me deu total liberdade criativa e que talvez venha a se tornar um livro e exposição.