Cristiano Mascaro é um grande intérprete da vida das cidades brasileiras, sobretudo de São Paulo (SP). Ele tornou-se fotógrafo quando estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), na década de 1960, mas sua maior influência não veio de nenhum fotógrafo especializado em arquitetura. Foi folheando o livro Images à la Sauvette (Imagens Furtivas, em tradução livre), de Henri Cartier-Bresson, na biblioteca da universidade, que ele se impressionou com a forma precisa e sensível desenvolvida pelo mestre francês para observar e apreender o mundo à sua volta, sobretudo a vida cotidiana.
“Pode parecer exagero, mas naquele momento entendi que teria de ser fotógrafo. Somou-se a isso o ambiente cultural da faculdade cercado de excelentes professores, sobretudo João Xavier e Benedito Lima de Toledo, que apoiaram e incentivaram minha decisão”, recorda. Logo após se formar, Mascaro atuou por três anos como repórter fotográfico na revista Veja, convidado em 1968 pelo fundador da publicação, Mino Carta, a partir de uma indicação da fotógrafa Claudia Andujar.
“Esse curto período foi o bastante para ganhar experiência, cumprir pautas, ser esperto para voltar à redação com a melhor fotografia possível em quaisquer circunstâncias. Na redação, muitos estranhavam o fato de um arquiteto formado estar trabalhando como repórter fotográfico. Mas estava feliz da vida, pois minhas referências eram a Claudia Andujar, Maureen Bisilliat, George Love, Lew Parella e tantos outros que fotografavam para a revista Realidade, e, evidentemente, Henri Cartier-Bresson”, recorda.
Do fotojornalismo à vida acadêmica
A primeira exposição individual de Cristiano Mascaro, intitulada Paisagem Urbana, foi realizada na galeria da escola Enfoco, em São Paulo, em 1974. A mostra trazia uma seleção de imagens da metrópole paulista nas quais o fotógrafo retratava a paisagem urbana permeada pela presença de seus habitantes, abordagem nascida de uma mescla da formação de arquiteto com o olhar de fotojornalista que se tornaria a marca do seu trabalho.
“A paisagem urbana é um tema um tanto abrangente e pertence a ela, no meu entender, a arquitetura, a paisagem construída, tudo isso observado do ponto de vista da calçada, isto é, caminhando. Eu mesmo iniciei meu trabalho de documentação urbana fazendo também retratos das pessoas que viviam e trabalhavam no bairro do Brás. Tudo isso cabe no que podemos chamar de ‘a vida das cidades’, no meu entender”, define.
Após sair da revista Veja, em 1972, ele seguiu o caminho da atividade acadêmica e da docência, que o permitia se manter financeiramente e desenvolver em paralelo um trabalho autoral. De 1972 a 1975, deu aulas de Fotojornalismo na escola Enfoco. Entre 1974 e 1988, dirigiu o Laboratório de Recursos Audio–visuais da FAU-USP. Também lecionou Comunicação Visual na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos por uma década, de 1976 a 1986.
Ao longo desses anos, Mascaro pôde acumular um portfólio que permitiu tornar-se fotógrafo independente a partir de 1988. Como consequência, começaram a surgir oportunidades de trabalhos comissionados, que coincidiam com o que ele mais gostava de fazer: estar nas ruas, poder flanar e descobrir paisagens e situações inesperadas. Ao longo do tempo, sua obra também se consolidou no mercado de arte, comercializada por meio de galerias.
De sua atividade acadêmica, nasceram duas pesquisas, ambas realizadas na FAU-USP. Na dissertação de mestrado, defendida em 1986, abordou o uso da fotografia na interpretação do espaço urbano. A pesquisa esteve ligada à atividade de ensino, que tinha entre suas principais atribuições a missão de incentivar os alunos a olharem a cidade com o espírito crítico por meio do uso da fotografia. Em sua tese de doutorado, defendida em 1995, a abordagem foi mais autoral, voltada à criação de dois livros sobre a cidade e as casas, a partir de fotografias acumuladas ao longo de sua trajetória.
Do analógico ao digital
Uma das características marcantes dos primeiros trabalhos de Cristiano Mascaro foi o uso do formato quadrado 6 x 6 cm, obtido com uma câmera Hasselblad. Sua lente de predileção era a Planar 80 mm. Ele conta que também gostava de usar a Hasselblad SWC, modelo especialmente desenhado com um objetiva grande angular fixa de 38 mm, que praticamente não apresenta distorções na imagem final.
Mascaro também trabalhou bastante com a câmera de grande formato Arca–Swiss com back para rolo de filme 120, que gera imagens em formato 6 x 9 cm, e com modelos 35 mm da Leica, sempre usando filme P&B. “Resisti até quando fui obrigado a migrar para a digital Canon EOS 5D e suas variantes. Com certo remorso pelo abandono de minhas analógicas, confesso que não posso deixar de admirar esse avanço tecnológico. Hoje somente com uma câmera digital faço tudo o que antes demandava o uso de uma 35 mm, uma 6 x 6 e outra 6 x 9, conta. Sua objetiva predileta, principalmente quando fotografa arquitetura, é a 24 mm TS (tilt-shift), que permite corrigir a perspectiva.
Mascaro dá bastante importância ao trabalho de pré-produção, pesquisando com entusiasmo o tema que irá abordar antes de sair a campo. Mas essa etapa nunca é pensada como uma camisa
de força. “Não me deixo prender pelo preestabelecido. Deixo-me levar pelas surpresas e pelos espantos que acabam acontecendo conforme caminho. Eles estão muito além do que eu poderia imaginar antes de me colocar em campo”, ensina.
Já o trabalho de pós-produção é confiado ao printer Marcos Ribeiro, do MR Estúdio Digital, em São Paulo, que cuida tanto do tratamento como da impressão das imagens. Mascaro destaca o fato de Ribeiro ter uma longa experiência prévia como laboratorista, o que lhe proporcionou uma “cultura fotográfica” fundamental para hoje executar o trabalho em mídia digital.
Mascaro reconhece a importância da parceria com curadores e menciona com especial carinho a curadoria de Rubens Fernandes Jr. para a exposição O que os olhos alcançam, realizada em 2019 em comemoração aos seus 50 anos de carreira. “A participação de um curador é fundamental, principalmente quando cabe a ele organizar e dar sentido a um conjunto de trabalhos já realizados. Mas daí a querer dirigir o trabalho de qualquer artista e/ou escrever textos ininteligíveis a respeito de uma obra, já acho demais”, pondera o mestre.
Cidades marcantes
Conhecido como um dos principais intérpretes de São Paulo, Cristiano Mascaro acredita que a capital paulista é tão confusa e mal planejada que muito pouco de sua paisagem mudou desde que começou a fotografá-la até os dias de hoje. O que mais o desaponta quando sai para fotografar atualmente é que as pessoas não querem mais ser fotografadas. “Ao contrário do que pude fazer quando iniciei meu primeiro trabalho de documentação urbana no bairro do Brás na década de 1970. Eu entrava nas casas, nas cozinhas dos restaurantes, nas pequenas oficinas e nas fábricas sem restrições”, compara.
Dentre as cidades brasileiras que mais chamaram a sua atenção, Mascaro aponta Oeiras, no Piauí. Ele não imaginava o que iria encontrar e se surpreendeu ao caminhar por suas ruas e fotografar a bela igreja central, com o pomposo nome de Matriz de Nossa Senhora da Vitória. “Fiquei também excitadíssimo quando cheguei a Hanói, que só conhecia pelo noticiário a respeito da absurda guerra do Vietnã. Queria saber como era aquela cidade e seus habitantes, que venceram heroicamente o poderio militar americano”, comenta.
Por conta do isolamento social imposto pela pandemia da covid-19, Mascaro tem ficado em casa e aproveitado para organizar seus negativos. Ele não esconde a ansiedade para voltar às ruas e à interminável tarefa de registrar a vida das cidades e certas construções que se tornaram ícones da arquitetura. “Se repararmos bem, a arquitetura erigiu marcos duradouros, como se fossem pegadas deixadas ao longo da história, que nos revelam o desenvolvimento do conhecimento humano do ponto de vista do domínio da técnica e da capacidade de criação”, avalia.