Ao realizar um ensaio sobre os trens suburbanos de Salvador (BA) no dia do encerramento de suas atividades, Danilo Lima enfeixa em um mesmo trabalho uma série de questionamentos. Sua abordagem mescla saudosismo e inconformidade diante de transformações no tecido urbano que nem sempre correspondem às necessidades e anseios de seus habitantes.
O Ensaio Sub Urbanos, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024, também propõe um recorte de atravessamentos simbólicos que rememoram o período escravocrata. Há um paralelo entre os trens que levam os trabalhadores da periferia ao centro da cidade com os navios tumbeiros que traziam escravizados transformados em mercadoria. Dessa forma, o trabalho dialoga com outras séries de Danilo Lima.
Na entrevista abaixo, ele conta mais sobre sua trajetória. Descubra.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 44 anos, moro em Salvador, Bahia e, além de artista visual, trabalho na área ambiental da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S A. – EMBASA..
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Sempre gostei de fotografar, desde as câmeras amadoras portáteis de filme. Fotografava os encontros familiares, sociais, o futebol com os amigos, mas sempre tentando fazer composições fora do trivial. Não conhecia as técnicas ainda, nem mesmo o que era Gestalt, mas buscava ângulos diferentes, deitava no chão, essas coisas (risos). Depois comecei a fotografar com a digital, ainda amadora, mas foi só em 2004, quando entrei na Escola de Belas Artes, onde me graduei em Design, que comecei a ter experiência de fotografar com uma câmera profissional, utilizar laboratório, conhecer as teorias e técnicas fotográficas com o professor Edgard Oliva. Durante o curso pude desenvolver alguns trabalhos individuais e também coletivos. Um desses trabalhos foi um ensaio desenvolvido mesclando a fotografia de pessoas, onde o corpo era usado com suporte para projeções, a pinturas da artista plástica e professora Graça Ramos.
Em 2019, retomei o trabalho fotográfico. Devido às constantes mudanças tecnológicas dos últimos anos, fui reinserido nesse universo através do curso na Casa da Photographia com o respeitado fotógrafo Marcelo Reis. A partir desde curso de aprimoramento, pude aprofundar técnicas e conceitos a partir de ensaios realizados nas aulas práticas na rua, bem como materializar interesses imagéticos antigos. O primeiro ensaio fruto desse retorno foi Colírio, um trabalho onde as fotografias dialogam com a poesia Com Os Olhos Secos, do poeta Agostinho Neto, importante personagem da política e da arte de Angola.
Na pandemia realizei os ensaios Inanimados e Nu Quintal, clicados entre 2020 e 2021. Ainda em 2021 tive algumas fotos selecionadas para o Festival de Imagens Periféricas, projetadas em um prédio da capital paulista. Em 2022 fui um dos selecionados na convocatória O Urbano Entre Realidade e Utopia, promovida pelo Foto em Pauta em parceria com o Rotterdam Photo Festival e apoio do Reino dos Países Baixos no Brasil. Neste mesmo ano, tive trabalhos selecionados para o BC Foto Festival, em Santa Catarina, e para o Photothings, em São Paulo. Neste último, fiquei entre os dez selecionados que tiveram seus trabalhos expostos no Metro da capital paulista. Em 2023, fui premiado com medalha de ouro no Brasília Photo Show, o que equivale ao terceiro lugar, na categoria Mobilidade sobre Trilhos com uma foto do ensaio Sub Urbanos.
Hoje, realizo oficinas sobre fotografia para colaboradores ligados à área socioambiental, na Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa). Em 2022 fui convidado pela Universidade Corporativa da Embasa para ajudar a desenhar um concurso fotográfico com premiação, exposição e publicação de foto livro, para os colaboradores da empresa, intitulado A Embasa que eu vejo. A fotografia não é minha principal fonte de renda, mas certamente tem sido a mais recorrente expressão artística desenvolvida por mim.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
O registro fotográfico foi realizado no dia 13 de fevereiro de 2021, em Salvador, dia em que o trem foi encerrado como modal de transporte na cidade. Os trens serviam a grande parte dos bairros periféricos, também chamados de Subúrbio Ferroviário, e foi assim por 160 anos. A decisão de me despedir da ferrovia e dos lugares que a margeavam vem do desejo de manter vivas as imagens para além da minha memória: lindas paisagens, lugares emblemáticos, ruínas que contam um pouco da história da cidade.
Foi um trabalho realizado entre o saudosismo feliz, pois trazia boas lembranças de episódios vividos naquele lugar lindo em plena região periférica, rica em cultura, e a tristeza, por não concordar com a extinção desse modal de transporte, que poderia ser integrado aos novos que chegam para fazer a cidade pulsar conforme sua realidade de ocupação, suas conformações da textura urbana sempre viva e dinâmica.
O ensaio problematiza como os caminhos e descaminhos da cidade é moldada por muitos interesses, alguns autênticos, como os desejos dos habitantes dela, outros nem tanto, frutos de decisões políticas governamentais que podem ser benéficas à sociedade, ou apenas favorecimento de setores econômicos do capital. De uma forma ou de outra a cidade e a sociedade que a habita é transformada.
Ao mesmo tempo que o ensaio fala dos nossos dias, num contexto urbano, há um recorte de atravessamentos simbólicos que rememoram o período escravocrata. Logo, um paralelo simbólico é percebido, pois assim como o povo africano foi mal acondicionado nos navios tumbeiros, tratado como mercadoria, na diáspora forçada, assim também o transporte público e a moradia urbana nas periferias do Brasil perpetuam a seus descendentes, povo preto periférico, espaços sem a devida dignidade.
Ao trazer essas conexões históricas com o processo de formação da sociedade brasileira, diáspora africana, territorialidade, etc. percebo que este ensaio mantém unidade com outras produções minhas, como Colírio e Nu Quintal. Mesmo tendo focos distintos, cada um desses projetos são um retalho da colcha.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente faço imagens do cotidiano e numa indústria de água e saneamento, numa perspectiva artística, buscando encontrar imagens inusitadas, mundos fantásticos, atravessamentos no tempo, espaço e realidade.
Para um futuro breve pretendo aprofundar ainda mais o trabalho em questões étnico-raciais, destacando similaridades culturais e religiosas de espectros tão diferentes e, muitas vezes, tratados como antagônicos.