De repórter de texto freelancer a editor de fotografia da revista VG Helg, o norueguês Espen Rasmussen passou por diversas funções no jornalismo. O lado fotógrafo tornou-se conhecido internacionalmente a partir do projeto Transit, iniciado em 2004 e ainda em aberto, no qual ele registra histórias de refugiados e deslocados internos.
Por conta desse trabalho, Rasmussen esteve no Brasil como uma das atrações internacionais do recente 15o Festival Paraty em Foco, na cidade histórica fluminense, cujo tema foi “Migrações”.
Pequenas histórias
O trabalho que projetou o nome do norueguês na cena internacional, Transit, começou por acaso. “Sempre fui muito interessado em como a guerra, os conflitos e as questões climáticas afetam as pessoas. Nunca fui um fotógrafo que desejasse estar no front. Em vez disso, são as pessoas que me atraem, como elas sobrevivem, e quais as consequências de um conflito armado em suas vidas. Transit não nasceu como um projeto, mas a partir de pequenas histórias. Em 2004, estive na região do Darfur, no Sudão, onde milhares de pessoas foram forçadas a migrar devido a uma guerra civil. Também estive na Sérvia, em 2005, para acompanhar a situação dos refugiados da Guerra dos Balcãs”, conta.
Ao reparar que muitas das situações que fotografava estavam relacionadas a questões migratórias, Rasmussen começou a costurar um panorama a partir das narrativas que recolhia sobre o dia a dia e as lutas de refugiados e deslocados internos. Em 2007, graças a uma bolsa de US$ 60 mil concedida pela Fundação Fritt Ord, ele pôde se dedicar exclusivamente a desenvolver uma documentação de longo prazo sobre o assunto.
Entre 2006 e 2009, Rasmussen passou por Afeganistão, Síria, Colômbia, República Democrática do Congo, Iêmen, Geórgia e Bangladesh. De 2009 a 2011, documentou a situação de refugiados na Noruega. O projeto gerou um livro e um site em 2011 e, no ano seguinte, uma grande exposição no Centro Nobel da Paz, em Oslo. Também foi exibido em outros países: França, Kosovo, Estônia, Suíça e Romênia.
“Meu principal objetivo era criar um debate e alertar as pessoas, fazê-las parar e pensar. Ao mostrar o trabalho em exposições, reportagens, site e livro, acredito que consegui espalhar as histórias para um público amplo. Ainda mantenho o foco na questão dos migrantes, refugiados e deslocados, por isso considero Transit um projeto em expansão. Passei a cobrir a crise migratória de 2015/2016 na Europa e, infelizmente, acredito que histórias acerca dessa temática continuarão a vir à tona nos próximos anos”, ressalta.
Imagem em movimento
Atento a temáticas candentes, Espen Rasmussen iniciou em 2013 o projeto Hard Land (Terra Dura), concebido em parceria com Roy Andersen, correspondente do jornal norueguês VG nos Estados Unidos. Andersen havia acompanhado a decadência das cidades americanas da região chamada de Rust Belt (Cinturão da Ferrugem), no nordeste dos EUA. A região ficara conhecida nos anos 1970 como Manufacturing Belt (Cinturão da Indústria), pois concentrava grande parte da indústria automotiva e siderúrgica da maior economia do mundo.
Com a migração paulatina de indústrias americanas para países asiáticos, notadamente para a China, a região, que outrora significava o esplendor do sonho americano, entrou em declínio. “Rodamos de carro milhares de quilômetros. Concentramos a cobertura em quatro cidades, Detroit, Chicago, Youngstown e Beckley. Aquela área tinha sido o motor da economia dos Estados Unidos, com fábricas de veículos, minas de carvão e siderúrgicas. Hoje, muito disso acabou e a classe média está desaparecendo. Durante esse projeto, Donald Trump foi eleito presidente. Isso não nos surpreendeu, pois estávamos há três anos trabalhando em áreas com altas taxas de desemprego e de ressentimento”, conta.
Foi durante esse trabalho que o vídeo saltou para o primeiro plano na produção de Rasmussen. Ele já havia feito filmagens pontuais no projeto Transit. Em Hard Land, o vídeo ganhou uma relevância maior do que a fotografia. Rasmussen diz que não costuma trabalhar com as duas mídias ao mesmo tempo. “Você tem de escolher. Decidi que queria focar na produção em vídeo e coloquei a câmera fotográfica para descansar. Ao mesmo tempo, tentei ser bastante objetivo e decidi filmar apenas um personagem, sem sair filmando tudo ao redor”, explica. Ele costumava seguir uma pessoa por um ou dois dias para filmá-la em ação e fazer entrevistas. Ao terminar, aí sim voltava à fotografia até encontrar outro personagem que desejasse filmar.
Já outro projeto, White Rage (Raiva Branca), surgiu como consequência da chegada de imigrantes vindos do Oriente Médio e do norte da África à Europa a partir das guerras no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria. Iniciado em 2016, é centrado no crescimento de movimentos de extrema direita baseados na ideologia do supremacismo branco – Rasmussen registrou grupos na Noruega, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Inglaterra, França, Grécia, Itália, Eslováquia, Ucrânia e Rússia.
Paralelo à atuação como fotógrafo, ele é editor de fotografia da VG Helg, revista semanal de maior circulação na Noruega, publicada pelo jornal VG (confira o box). Também é um dos três mentores do Norwegian Journal of Photography (NJP), publicação bienal que seleciona de 7 a 10 fotógrafos com trabalhos documentais em cada edição. Os selecionados desenvolvem os projetos propostos com acompanhamento dos mentores e o resultado é publicado na forma de um livro – o NJP chegou em 2019 à quinta edição.
A presença de Espen Rasmussen no Paraty em Foco 2019 marcou sua segunda vinda ao Brasil. Em 2003, ele passou dois meses em Salvador (BA) ensinando fotografia a alunos da Escandinávia que moravam na capital baiana em um intercâmbio de um ano. Rasmussen também esteve na Colômbia em 2007, para realizar parte do projeto Transit.
O Paraty em Foco 2019 ocorreu de 18 a 22 de setembro, com o tema “Migrações”. Dentre outros convidados de destaque estiveram a boliviana Maria Daniel Balcazar, a suíço-brasileira Sonia Guggisberg, o francês Vincent Rosenblatt e o brasileiro Ueslei Marcelino. Por problemas de saúde, o holandês Pieter Ten Hoopen não veio. A homenageada do ano foi Claudia Andujar e Sebastião Salgado preparou uma apresentação exclusiva para o evento, com comentários de Evandro Teixeira.
Dicas de um editor de revista
Espen Rasmussen começou cedo no jornalismo, aos 16 anos, em Nesodden, próximo a Oslo, capital da Noruega, apurando notícias como repórter freelancer para um jornal local. Seu ponto forte era o texto, mas a fotografia foi ganhando espaço. Aos 19 anos, quando prestou serviço militar, acabou assumindo o posto de fotógrafo da revista do exército. Assim se deu a passagem definitiva à fotografia.
Cursou Fotojornalismo na Universidade Metropolitana de Oslo e essa formação deu a base para que ele pudesse começar a publicar nos principais jornais da Noruega, como Dagbladet e Aftenposten. Paralelo às pautas do dia a dia, ele começou a investir em projetos de longo prazo – lado mais documental que vem atraindo cada vez mais a atenção de jovens fotojornalistas.
Atualmente editor de fotografia da revista VG Helg, Espen Rasmussen coordena uma equipe de 12 fotógrafos. Ele conta que recebe diariamente de 5 a 10 e-mails com propostas de pauta. Aqui, ele dá algumas dicas de como apresentar uma proposta de pauta a uma grande revista internacional:
1. Faça uma breve apresentação do trabalho.
2. Coloque as imagens ordenadas em um único PDF, não mande imagens avulsas anexadas no e-mail.
3. Certifique-se de que você conheça o tipo de publicação para a qual está enviando o material, qual a linha editorial dela.
4. Se não receber resposta, envie um e-mail solicitando confirmação do recebimento cerca de uma semana depois.
5. Se receber um “não”, não continue a enviar o mesmo trabalho.
6. O que interessa a um editor são histórias surpreendentes, diferentes, que tragam alguma novidade no conteúdo ou na abordagem.
7. Não envie portfólio. A busca é por histórias, não portfólios.